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Não digam amém a Donald Trump
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Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal

Não há sombra de dúvida de que, para meus pendores particulares, o Partido Republicano nos Estados Unidos é, grosso modo, preferível ao Partido Democrata – particularmente na atual quadra histórica, em que o socialismo ganha peso na legenda de esquerda norte-americana.

Da mesma forma, considero louvável aproximar o Brasil de um projeto de valorização das democracias ocidentais e resistência ao autoritarismo antiliberal, bandeira que Carlos Lacerda sustentava quando o Ocidente capitalista se defrontava com o Oriente socialista e totalitário. Age corretamente o Brasil ao defender seus valores e preferências civilizacionais, afinal ninguém jamais proclamou que a atuação internacional de um país estaria inteiramente imune à predileção da maioria. Há algo da plataforma eleita em 2018 que deve, naturalmente, ser impresso à orientação da política internacional, não obstante se imponham ao setor razões de Estado que transcendem os governos.

Essa plataforma, porém, falava judiciosamente em fortalecer o comércio internacional, sem viés ideológico, perseguindo os interesses do Brasil e aprofundando nosso processo de recuperação e liberalização econômica, respeitando-se mais do que nunca as regras do mercado, recusando devaneios heterodoxos e intervencionistas e buscando sempre o que é melhor para os brasileiros. É exatamente assim que deve ser. Não deve o Brasil voltar atrás nesse propósito e ser capacho de quem quer que pretenda acuá-lo com afrontas aviltantes.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é objeto da admiração do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, e de significativa parcela de seus aliados e militantes. A política externa voltou-se a um esforço por uma aliança estreita com os EUA – que são mesmo, por diversos motivos, estratégicos para o Brasil. Ocidentais, a nação mais poderosa do mundo, liberais-democráticos, parceiros comerciais relevantes – tudo isso, evidentemente, pesa. Porém, não pode ser suficiente para que nos curvemos a qualquer exigência e amenizemos qualquer insulto.

Donald Trump usou seu famoso Twitter para acusar o Brasil e a Argentina de desvalorizarem artificialmente o câmbio, o que não é bom para os fazendeiros americanos. Em retaliação, ele afirmou que restaurará tarifas sobre aço e alumínio contra os dois países.

É um tom grotescamente agressivo para se referir, em público, particularmente, ao Brasil, com quem os EUA formalizaram um acordo – o que não os impediu de deixar que a Argentina kirchnerista permanecesse à frente na fila de ingresso à OCDE, recorde-se de passagem. A parceria e as afinidades não se podem transformar em subserviência e em rebaixamento da dignidade pátria. Eis o ponto.

A página nacional “Conservadores Independentes” reuniu dados para explicar que a importação brasileira aos americanos no setor de aço e alumínio chega a apenas 0,01% da soma de todas as importações feitas pelos EUA. O suposto ganho de empregos na produção do setor seria irrisório; em compensação, para nós, a exportação desses produtos representa 14% das importações totais do nosso país aos americanos. Trata-se de um mercado bastante dependente da clientela dos EUA. Conclusão: por mero populismo e demagogia, sem ganho significativo algum, Trump prejudicará bastante o Brasil se levar adiante essa ameaça.

Isso é digno do que se chamaria um aliado? É uma atitude de respeito? Não, é um desrespeito e um “equívoco brutal”, como definiu acertadamente o ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele disse que o Brasil apenas mudou seu “mix macroeconômico”“Agora, em vez de fiscal frouxo e freio monetário, com câmbio supervalorizado derrubando as exportações, o Brasil caiu numa posição correta”, defendeu em entrevista ao site O Antagonista. O ministro complementou: “Queremos abrir nossa economia independentemente de políticas protecionistas dos outros. Nós acreditamos que há ganho de comércio para nós e quem quiser trabalhar conosco será muito bem vindo – isso vale para os Estados Unidos, que é a maior economia, temos interesse”. Falou muito bem o ministro: sem perder as estribeiras, sem se rebaixar, sem provocar uma guerra retórica, mas com firmeza e respeito pelo Brasil e seus objetivos.

Por outro lado, aliados de Bolsonaro e o próprio presidente brasileiro avaliaram que a declaração do americano não representa retaliação alguma e que as razões para esse tweet estão nos objetivos políticos internos de Trump, que precisa falar ao eleitorado americano nas proximidades de uma nova eleição em 2020 e enfrentando um processo de impeachment. Com esse tom, não posso concordar.

O que pensa o eleitorado americano ou o motivo para Trump fazer o que faz não é problema nosso. Somos brasileiros e o Brasil e os brasileiros vêm em primeiro lugar. Não quero ver o governo do meu país tomar nenhuma atitude sob ameaça ou afronta de qualquer governo estrangeiro, seja dos Estados Unidos, da França ou de El Salvador. Se Trump não tem qualquer pudor em falar grosso contra nós nas redes sociais, não há motivo para dizer amém. Não cabe a nós justificar as declarações dele. Nessas circunstâncias, o que nos compete é defender nossos interesses e nosso projeto de soerguimento. Não podemos basear a nossa política externa única e exclusivamente na vitória de Trump nas eleições.

Trump atacou covardemente em seu Twitter um país que tem demonstrado enorme boa vontade para com os interesses americanos. Sejamos sábios e mantenhamos a melhor relação possível com os EUA, procuremos conversar; é evidente que esse é o caminho e ninguém está pregando o contrário. O recado é: que nossas políticas e rumos não sejam ditados pelo presidente americano. Ele não disse sempre “America First”? Pois aqui é “Brasil primeiro” – e isso significa mais comércio e mais liberdade para sairmos do atoleiro, doa a quem doer.

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