No último dia 28 de março, mesmo dia da assinatura da concessão do Aeroporto de Congonhas à operadora espanhola Aena, um grupo que representa 10 associações de moradores do entorno do aeroporto, ou 500 mil associados, apresentaram ao prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, e ao secretário da Casa Civil, Fabricio Cobra, um Projeto de Lei que propõe a criação de um fundo cujo recolhimento seria de responsabilidade da concessionária, podendo ou não ser repassado em forma de taxa para os passageiros. O objetivo é mitigar os riscos gerados com o provável aumento do movimento do aeroporto a partir da operação pela empresa privada.
Caso a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) aceite a proposta da Aena de pagar parte do valor inicial da concessão em precatórios, ela passará a operar o aeroporto a partir do terceiro trimestre deste ano. A preocupação dos moradores que habitam até quatro quilômetros de distância do aeroporto é com o aumento de riscos como poluição sonora e ambiental que o movimento de aeronaves gera, além do impacto no trânsito da região.
"Ninguém é contra o Aeroporto de Congonhas, mas entendemos que a poluição, principalmente sonora, é um tema de saúde pública que impacta os cofres públicos de forma direta, por gerar uma perda de 10 anos de expectativa de vida em áreas críticas", diz Guilherme Canton, presidente da associação Amigos Novo Mundo Associados (ANMA). "O PL foi feito nos moldes do que acontece na Inglaterra, na França e em aeroportos na Espanha onde a própria Aena é operadora, ou seja, um fundo de mitigação com um conselho administrado conjuntamente por órgãos competentes do município e a sociedade civil organizada", complementa.
De acordo com Canton, durante a pandemia da Covid-19, o movimento do Aeroporto de Congonhas aumentou para 33 pousos ou decolagens por hora, o que hoje teria alcançado 35. No passado, esse número já foi 55 por hora e o aeroporto chegou a funcionar 24 horas por dia, o que foi revertido por pleitos de uma associação de moradores de um bairro vizinho. O receio atual é que o movimento alcance 120 pousos ou decolagens de aviões por hora.
"Para cada passageiro que embarca ou desembarca, três ou quatro pessoas o acompanham. O crescimento do aeroporto precisa passar por aumento do transporte público e ampliação de estacionamento, por exemplo. O fundo servirá para implementação de janelas antirruído em hospitais, projetos arquitetônicos acústicos, parques para ter mais áreas verdes para minimizar o impacto ambiental, entre outros", diz Canton.
Incompatibilidade do Aeroporto de Congonhas com o plano diretor da cidade
De acordo com a arquiteta Claudia Cahali, diretora de urbanismo e meio ambiente da Associação Viva Moema, as rotas de pousos e decolagens do Aeroporto de Congonhas foram ampliadas em 2020 e 2021 sem compatibilização com o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, de 2014, e que rege o crescimento da cidade até 2029, além da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), de 2016.
"Temos uma revisão do Plano Diretor sendo discutida na Câmara Municipal, porém sem menção ao entorno do Aeroporto de Congonhas. Há prédios sendo construídos em locais que viraram rota de avião. Um edifício novo próximo ao aeroporto, por exemplo, pode ter de ser demolido por ter uma altura inadequada a questões de segurança", diz Claudia.
Taxa ambiental no Aeroporto de Guarulhos
O município de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, passou por situação semelhante à proposta feita à Prefeitura de São Paulo. Em maio de 2022, foi aprovada a lei municipal 8.014, com a criação de uma taxa de proteção ambiental para mitigar os efeitos do trânsito de aeronaves do Aeroporto Internacional de Guarulhos, o segundo maior da América Latina.
De acordo com Airton Trevisan, secretário municipal de Justiça de Guarulhos, a prefeitura estava para editar um decreto que regulamentaria a lei quando o procurador-geral de Justiça do estado de São Paulo entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) questionando o ferimento de competência de legislação federal por se tratar de tráfego aéreo. A prefeitura entrou com recurso para tentar reverter a decisão liminar, porém o Tribunal de Justiça não o aceitou e agora a ADI aguarda julgamento pelo plenário do Tribunal de Justiça.
"A ideia é cobrar uma taxa das companhias aéreas a partir do movimento de cargas entre pousos e decolagens, podendo ter um reflexo no preço das passagens. Os recursos iriam para um fundo usado para mitigar problemas recorrentes como poluição sonora, ambiental e problemas de saúde psiquiátricos e respiratórios, a serem distribuídos para Unidades Básicas de Saúde localizadas no entorno do aeroporto, hospitais e outras medidas ambientais que diminuam os efeitos dessa poluição", diz Trevisan.
Morador de Guarulhos há 64 anos, o secretário se queixa do crescimento desordenado do município que ocorreu a partir da construção do aeroporto. De acordo com ele, os efeitos colaterais sociais e ambientais do crescimento urbano vindo por exemplo com a concessão da rodovia estadual Ayrton Senna, e rodovias federais como a Via Dutra e Fernão Dias, recaem sobre o município, que fica de mãos atadas por se tratar de estruturas que não são de sua competência. "O aeroporto trouxe inegáveis progressos, mas também problemas como a vinda de mão de obra de todo o Brasil. Temos invasões de áreas de risco e de proteção ambiental, desvios de rio que desencadeiam enchentes. Ficamos com os problemas sociais, mas não existe contrapartida de ninguém para custear os gastos", diz ele.
Até o fechamento da reportagem, a prefeitura de São Paulo não retornou sobre o projeto de lei apresentado pelas associações do entorno do aeroporto de Congonhas. Já o secretário municipal de Mudanças Climáticas de São Paulo, Antonio Fernando Pinheiro Pedro, disse que é simpático à ideia de criar um regramento que mitigue os impactos ambientais advindos da privatização, porém afirmou que não recebeu nenhuma demanda da Casa Civil ou das associações.
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