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Uma onda de artistas inconformados com a predominância da cultura woke em produções artísticas financiadas com dinheiro público começa a ganhar força na capital paulista. E isso pode se espalhar pelo Brasil.
Liderado pelos cineastas Josias Teófilo e Newton Cannito, o movimento chamado “Artistas Livres” surgiu em outubro passado, com a publicação de um documento escrito pela dupla. Intitulado “Manifesto pela Liberdade de Criação Artística”, o texto defende que “conceitos importados como ‘apropriação cultural’ e linguagem neutra orientam os debates e o fomento da arte brasileira há mais de uma década”.
Desde então, o número de envolvidos cresceu: hoje são 180 simpatizantes em todo o país e, em fase de oficialização, o “Artistas Livres” pretende levar as demandas para o Congresso Nacional. “Vamos nacionalizar a defesa da liberdade de criação artística. O identitarismo está levando à censura. Queremos criar um dia para combatê-lo e lutar contra as cotas”, afirmou Teófilo à reportagem da Gazeta do Povo.
Para ele, o crescimento do movimento anti-woke é fruto das eleições municipais de 2024, em que o palco político paulistano foi dividido entre Ricardo Nunes (MDB), representando a centro-direita, e Guilherme Boulos (Psol), encabeçando a esquerda. “Boulos ter perdido a eleição foi um grande símbolo da decadência do identitarismo devido à nacionalização das eleições em São Paulo”, pondera Teófilo, que durante a campanha promoveu um jantar de apoio à candidatura de Nunes.
Algo mudou com Nunes?
Após a vitória do candidato do MDB, no entanto, o grupo “Artistas Livres” passou a cobrar o novo responsável pela pasta da Cultura na administração da cidade de São Paulo, Totó Parente. Desde a posse dele, o secretário recebeu diversos representantes do movimento e pediu três meses para se ambientar no cargo e estudar os editais, período que foi aguardado com expectativa.
“Estávamos esperando ações concretas de mudanças”, diz Teófilo. “O secretário veio da esquerda, mas estava se colocando como alguém de centro, e a princípio estava dialogando com os diversos setores. Mas não há o menor indício de que haverá mudança. Essa é uma gestão de continuidade”, crava.
Antes de assumir a pasta, Parente teve cargo no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2010. Ele foi assessor especial de Dilma Rousseff, que na época atuava como chefe da Casa Civil.
De olho nos repasses
Um dos principais pontos de atenção na gestão de Nunes é a SPCine (Empresa de Cinema e Audiovisual de São Paulo). A agência que desenvolve, financia e implementa políticas e programas para o audiovisual paulistano é vista pelos conservadores como um polo de cultura woke.
“O prefeito Ricardo Nunes ganhou votos da direita, mas mostra que está governando para a esquerda", lamenta o cineasta. Teófilo destaca também como a gestão se comprometeu a repassar mais de R$ 100 milhões para desfiles de escola de samba durante o carnaval deste ano.
Segundo a informação do site UOL, R$ 51,9 milhões desse valor são provenientes do orçamento para Cultura. A preocupação se torna ainda maior considerando que, em fevereiro, Nunes anunciou que destinará R$ 318,8 milhões para projetos artísticos em 2025 – um dos maiores investimentos na área na história da cidade.
Nova bancada conservadora
Nesse contexto, o grupo “Artistas Livres” busca ganhar mais força. Isso deve ocorrer com a criação de uma nova bancada de vereadores conservadores e de perfil mais combativo que tomaram posse esse ano na Câmara Municipal de São Paulo. Dentre eles, estão Janaína Paschoal (PP), Amanda Vettorazzo (União), Adrilles Jorge (União), Sonaira Fernandes (PL) e Zoe Martinez (PL).
Logo no início do ano legislativo, três propostas que versam sobre os recursos destinados para a cultura foram divulgadas e estão à espera de aprovação. Janaina Paschoal, por exemplo, propôs a criação oficial da chamada Frente Parlamentar Artistas Livres.
A ideia é que a nova bancada acompanhe “a publicação dos editais culturais, garantindo que promovam de fato a diversidade artística”. Paschoal afirma: “Vamos ouvir artistas que se sentiram discriminados em alguma medida, não podemos admitir que o preconceito ao contrário seja tido como natural.”
Já Sonaira Fernandes elaborou um projeto de lei que colocará uma lupa sobre a agência SPCine e propõe “revisar todos os filmes e conteúdos audiovisuais excluídos do catálogo da Spcine”. Dentre as medidas anti-woke, a vereadora também defende que a estatal seja proibida de criar "categorias raciais, sociais ou de gênero que não estejam expressamente previstas no ordenamento jurídico brasileiro", por exemplo.
Diferentemente de Teófilo, Sonaira diz que “ainda é muito cedo” para avaliar o trabalho de Totó Parente à frente da Secretaria de Cultura. Mas ela defende suas alterações propostas para SPCine.
“O sistema de cotas, incluindo para editais, virou uma ferramenta de aparelhamento político da esquerda. A produção cultural não pode ser monopólio de um grupo ideológico”, afirma a vereadora.
Engrossando o coro, está Amanda Vettorazzo, que também integra a bancada. Ela defende que “todos tenham oportunidade de ter a sua arte divulgada”. A vereadora ficou famosa nacionalmente após elaborar o projeto conhecido como lei “Anti-Oruam”, que proíbe o uso de recursos públicos para obras artísticas que façam apologia ao crime.

O nome remete ao rapper Oruam, filho de Marcinho VP, líder da facção criminosa Comando Vermelho, e cujas músicas exaltam o mundo do crime. “Estamos com o olhar atento à cultura e mandamos um ofício para o secretário tomar cuidado com as contratações e o uso do dinheiro público, até que vire lei”, afirma Vettorazzo.
“Entendemos que deve haver espaço para todas as artes, para todas as questões sociais, para tudo. Mas também entendemos que não necessariamente todos os editais devem ter cotas para minorias”, acrescenta ela.
Para o líder do movimento "Artistas Livres", a oficialização da bancada em São Paulo pode fazer com que as mudanças nesse setor sejam efetivadas. “Se a Frente Parlamentar Artistas Livres for aprovada, a prefeitura não poderá mais ignorar os nossos pedidos”, conclui Teófilo.
Procurada pela reportagem da Gazeta do Povo, a prefeitura de São Paulo não se posicionou sobre o assunto até a publicação deste texto. O espaço permanece aberto para manifestação da gestão Nunes.
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