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Bombeiro trabalha sem máscara após queda das Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001 | Reuters
Bombeiro trabalha sem máscara após queda das Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001| Foto: Reuters

Amsterdã - Um número ainda hoje desconhecido, mas estimado em mais de 50 mil pessoas trabalhou sobre as mais de 1 milhão de toneladas de destroços das torres do World Trade Center (WTC), após os ataques de 11 de setembro de 2001. Junto com a fumaça e a poeira, cimento pulverizado, fibras de vidro, solventes e muitos outros componentes foram inalados por bombeiros, policiais, profissionais da saúde e voluntários.

Em 2003, o médico pneumologista, especialista em Medicina do Trabalho da Escola de Medicina Mount Sinai, em Nova York (NY), Rafael de la Hoz, iniciou uma pesquisa, com 9 mil profissionais que se expuseram ao mais longo incêndio urbano (durou cerca de 100 dias) da história dos Estados Unidos e a um trabalho de limpeza dos destroços, que foi finalizado quase um ano depois dos atentados.

Hoz queria saber como o trabalho em condições tão adversas afetou a vida daqueles profissionais. O resultado do estudo mostrou uma tragédia pós-tragédia de 11 de setembro. Entre os trabalhadores, concluiu a pesquisa, 80% apresentaram problemas nas vias aéreas superiores (nariz, faringe, laringe e traqueia); 50%, nas vias aéreas inferiores (asma, bronquite); 58% tiveram refluxo gastresofágico; 42%, distúrbios psicológicos diagnosticados e 18% desenvolveram problemas musculares, principalmente na lombar.

Passados dez anos dos atentados, no mês passado, durante o 21.º Congresso Anual da Sociedade Respiratória Europeia (ERS, em inglês), em Amsterdã, Hoz finalmente apresentou as conclusões de seu trabalho "Descobertas clínicas na sombra da tragédia do WTC", iniciado anos antes. Na entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, Hoz fala sobre seu estudo e explica a relação entre o tempo de trabalho sobre os destroços e o desenvolvimento de doenças, além de tocar em temas sensíveis, como o negligenciamento dos riscos por parte dos órgãos de fiscalização de trabalho nos Estados Unidos e a censura branca imposta ao tema e a ele.

Estes problemas poderiam ter sido evitados de alguma forma? Algo foi negligenciado?

Houve uma subestimação generalizada dos riscos por parte dos trabalhadores, de seus supervisores, do sistema de saúde e do governo. O país queria se reerguer daquela tragédia. Havia um pânico em relação ao fim das atividades financeiras de Wall Street. Houve um trabalho frenético para tentar reviver a economia de Nova York em um tempo muito curto e isso foi feito: NY realmente sobreviveu muito bem econômica e financeiramente, mas teve muitos gastos. Muitas pessoas trabalhavam mais de 16 horas por dia, seis ou sete dias por semana. Elas ganhavam quantias consideráveis de dinheiro.

Por que os órgãos de fiscalização não conseguiram impedir ou aconselhar as pessoas a não trabalharem tanto?

Eles [da Administração para Segurança e Saúde Ocupacional – OSHA, em inglês] tentaram, mas não acredito que tentaram com força suficiente. Eles disseram que os supervisores não os deixavam chegar até os locais de trabalho, cerravam os punhos, perguntavam o que eles estavam fazendo ali. Eu estive em uma reunião com estes agentes e eles descreveram suas experiências lá: trabalhadores diziam "não nos incomodem", supervisores diziam "não venham assustar meus funcionários, eu preciso terminar este trabalho. Vocês estão só nos interrompendo e nos atrapalhando, pedindo para usarmos máscaras. O que vocês estão fazendo aqui?". A OSHA afirmou ter comprado um total de 400 mil máscaras para um total de 50 mil trabalhadores. Havia material de segurança para todos. Eles tentaram fazer esta conscientização apenas uma vez e desistiram, se esforçaram pouco.

Os trabalhadores não pensaram nas consequências que aquele trabalho poderia trazer para a saúde?

Ou isto foi escondido. Havia um tremendo interesse em retomar a atividade econômica de NY. As pessoas ali ouviam que estava tudo bem, que aquilo não iria acontecer com elas. Também havia a atmosfera patriótica e nacionalista, as emoções envolvidas. Todos esses componentes misturados levariam páginas para serem descritos um por um.

Os trabalhadores, então, fizeram muito dinheiro às custas da própria saúde?

Havia uma situação particular, especialmente entre os trabalhadores sem documentos: se em uma rede de fast-food eles ganhariam sete dólares por hora, o trabalho manual de limpeza dos destroços pagava 23 dólares por hora. Aí você compreende por que as pessoas trabalhavam 16 horas por dia. Havia este componente financeiro. Eles eram muito bem pagos.

E os bombeiros, eles também ganharam mais para se expor àquele trabalho?

Os bombeiros são bem pagos independente da situação. Eles ga­­nham cerca de 30 dólares por hora. O problema é que eles fizeram muita hora extra, cujo valor pago dobra. Eles trabalharam tanto, que muitos deles estavam aptos a se aposentar depois do término do serviço no WTC. Aquela era uma operação 24 horas, ininterrupta. Esse excesso de trabalho acontecia por razões pessoais e também porque as agências não aplicavam as regras. Parte disso foi culpa da Casa Branca: o então presidente George Bush não deu atenção aos relatórios da Agência Americana de Pro­­teção Ambiental (EPA, em inglês), que levantavam questões problemáticas. Houve uma subestimação generalizada dos riscos por todos, em todos os níveis. Não se tratava apenas de saúde, mas também de política.

É neste sentido que a questão se torna mais delicada?

As pesquisas são muito difíceis de fazer, certas coisas não podem ser ditas, pois algum comitê pode dizer que aquilo não é bom para ser dito, pois pode ser usado contra nós. O tempo todo eu trabalho sob censura.

Quais foram as doenças mais comuns apresentadas pelos trabalhadores do WTC analisados por você?

Definitivamente foram as doenças das vias aéreas superiores, que englobam a região nasal até as cordas vocais. Isso obedece a uma lógica, havia muitas partículas do incêndio e da poeira dos destroços e as vias superiores funcionam como filtros dessas partículas.

Quais substâncias eram mais agressivas ao sistema respiratório?

Havia muitos compostos orgânicos voláteis [substâncias tóxicas e causadoras de câncer] na fumaça. Em novembro de 2001, as pessoas se expunham a tanta poeira quanto nos momentos após a queda, somente pelo fato de limpar o local. Mas elas tinham menos doenças do pulmão do que aquelas que trabalharam nas primeiras 24 horas após a tragédia, quando a quantidade de fumaça era muito maior. Mas medir a quantidade de compostos orgânicos voláteis na fumaça é muito difícil e isso não foi feito de forma suficiente.

Entre os trabalhadores, os bombeiros foram os mais afetados?

Os problemas respiratórios estavam mais relacionados com a chegada antecipada. E esse é o caso dos bombeiros. Havia muito mais poei­­ra e fumaça nas primeiras horas e nos primeiros dias e se­­ma­­nas, comparado a 2002, quando pessoas ainda limpavam o local.

Como as substâncias químicas presentes na poeira e na fumaça afetavam o pulmão?

Elas danificavam diretamente o epitélio, a camada mais superficial dos pulmões. Este é o gatilho para inflamações que se perpetuam em doenças crônicas como asma e bronquite. Havia muitas substâncias químicas queimando ali, formando gases extremamente ácidos e alcalinos. Já sabíamos, devido a pesquisas anteriores, que irritações químicas poderiam causar essa sequência de problemas, o WTC seguiu este padrão.

A repórter viajou a convite da Bayer HealthCare

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