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"As drogas para doenças mentais ou as antidepressivas pagam mais, cerca de US$5 mil em três semanas, justamente porque os voluntários dizem que mexem com a cabeça e não com o corpo." | Divulgação
"As drogas para doenças mentais ou as antidepressivas pagam mais, cerca de US$5 mil em três semanas, justamente porque os voluntários dizem que mexem com a cabeça e não com o corpo."| Foto: Divulgação

Quando precisou levantar um dinheiro extra enquanto estudava em Quebec, no Canadá, o antropólogo uruguaio Roberto Abadie aceitou, em 1998, com 30 anos, fazer parte de uma pesquisa científica para, em troca, ganhar US$1 mil. Tomou um medicamento contra gastrite. A droga, que nunca tinha sido experimentada por humanos, necessitava de gente saudável como Abadie para os testes que se iniciavam. No Canadá, diferentemente do Brasil, o pagamento a cobaias é permitido e os hospitais chegam a divulgar em rádios, televisões e jornais as pesquisas que carecem de voluntários. "Fui porque precisava do dinheiro, fiquei apenas três dias e acabou. Sabia que dava para juntar dinheiro com isso porque morava com estudantes que ganhavam a vida desse modo", conta Abadie.

Mas o interesse do antropólogo em pesquisar cobaias humanas surgiu somente três anos depois, quando ele soube que uma moça de 24 anos tinha morrido nos Estados Unidos fazendo um teste para asma. Ela era sadia, porém a droga produzia asma porque os pesquisadores queriam ver como o corpo reagia. A medicação foi aplicada incorretamente e ela morreu. "Fiquei abalado e fui atrás para saber, de fato, quem eram esses voluntários, quanto dinheiro ganhavam e os riscos envolvidos nessa prática", diz. Os estudos fizeram parte da pesquisa de doutorado de Abadie e lhe renderam um livro, The profissional guinea pig (Cobaias humanas profissionais), ainda sem tradução para o português. O pesquisador chega nesta semana ao Brasil para fazer uma pesquisa com genéricos e diz estar contente de ver os brasileiros interessados no assunto.

O que é ser cobaia profissional em países onde isso é permitido?

Os voluntários se acham profissionais porque ganham dinheiro. Morei com pessoas que fizeram mais de 100 testes tomando medicamentos diferentes em seis anos. Você ganha, em uma semana de testes, de US$2mil a US$3 mil. Isso é o salário de um balconista de lanchonete. O que é melhor? Ficar uma semana tomando um remédio ou um mês trabalhando duro?

Mas ingerir diversos medicamentos juntos não compromete a pesquisa?

Claro que sim, mas as indústrias farmacêuticas não fazem um controle sério de quantos medicamentos o voluntário já tomou e se ele está limpo há mais de um mês para participar de um novo teste. Por isso, as pessoas, em busca de dinheiro, chegam a participar de duas pesquisas concomitantemente. O que quer dizer que elas podem ter uma reação no organismo e nem saber qual remédio é o causador.

Se estas pessoas estão tomando tanto remédio, como saber quais serão as consequências no futuro?

É impossível saber. Não existe um controle de quem são as pessoas que tomam as drogas em teste. Na Europa, criou-se o primeiro registro que mapeia esses voluntários.

Há medicamentos que ninguém quer tomar?

As drogas para doenças mentais ou as antidepressivas pagam mais, cerca de US$5 mil em três semanas, justamente porque os voluntários dizem que mexem com a cabeça e não com o corpo. Há casos até de pessoas drogadas que participam e a indústria farmacêutica muitas vezes nem sabe.

Assim, a pesquisa não ficaria invalidada?

Sim. Mas o interesse é recrutar rapidamente a cobaia, fazer o teste e aprovar a droga para ser comercializada e ganhar dinheiro.

Os voluntários no Brasil, em geral, participam das pesquisas em busca de uma cura para a doença que têm.

Isso é preocupante, porque muitas pessoas são cobaias para ter acesso rapidamente ao sistema de saúde público e esquecem que os experimentos não são terapias, são para entender como o remédio funciona e se pode estar disponível no mercado.

O senhor é contra as pesquisas então?

Não. Mas é necessário fiscalizar esses testes e cuidar dos voluntários para que eles não fiquem doentes e sem apoio no futuro. É preciso também limitar a ingestão de medicamentos por voluntário.

O Brasil, em um futuro próximo, pode chegar a ter problemas nos testes com medicamentos envolvendo pessoas sadias?

O que preocupa é que o país sofre com a corrupção e o lobby. Se o Brasil optar por liberar o pagamento para cobaias [o que já foi discutido diversas vezes], é preciso definir como será feita a fiscalização e como será a punição (e quem será punido), no caso de os voluntários virarem cobaias profissionais e acabarem colocando em risco a própria vida. É uma questão de saúde pública.

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