• Carregando...

Uma empresa americana registrou há uma semana a patente para um teste de DNA que permite a usuários de óvulos e esperma doados tentarem escolher características do bebê a ser concebido. O patenteamento foi feito pela 23andMe, da Califórnia, fundada com capital de U$ 3,9 milhões do Google e investimentos de outras empresas.

O método de seleção de gametas registrado já está sendo criticado por geneticistas independentes e envolve o rastreamento de genes relacionados tanto a características mais triviais como outras menos. No texto da patente, a empresa sugere que poderia oferecer a receptores de óvulos ou esperma a identificação dos doadores mais propensos a transmitir traços como cor dos olhos e estatura, mas também expectativa de vida e porte atlético.

Caso venha a ser utilizado, o método registrado usa um algoritmo (série de comandos matemáticos) para cruzar dados de doador e receptor dos gametas de forma a maximizar a chance de a criança nascida ganhar as características desejadas. O pedido de patente exibe um esquema de menu de computador no qual o usuário escolhe as características desejadas e clica um botão para fazer a busca do doador. O método lista como característica passível de escolha até mesmo o sexo do bebê, algo que a maioria dos países proíbe na regulamentação para tratamentos de fertilidade.

A 23andMe, que tem como uma das fundadoras Anne Wojcicki --ex-mulher de Sergey Brin, co-fundador do Google-- diz que a patente se aplica a um produto que a empresa já oferece. É uma "calculadora de hereditariedade de traços familiares", que serve para "você e seu cônjuge saberem que tipos de características seus filhos devem herdar".

A empresa afirma, na época em que havia submetido o pedido da patente, há mais de cinco anos, ainda considerava a possibilidade de aplicar o a tecnologia da "calculadora" em métodos de escolha de gametas em clínicas de fertilização, mas desistiu de fazê-lo depois.

Ainda assim, em comentário na revista científica "Genetics and Medicine", um grupo de eticistas questiona a concessão do "invento". "Em nenhum estágio durante a análise do pedido de patente, o examinador questionou se técnicas que facilitam 'projetar' futuros bebês humanos seriam objeto apropriado para patentes" afirma o grupo, liderado por Sigrid Sterckx, da Universidade de Ghent, na Bélgica.

"Não é a primeira vez que a 23andMe se envolve em controvérsia. Após a empresa ter anunciado em seu blog em maio de 2012 que havia conseguido a patente para um teste de propensão ao desenvolvimento do mal de Parkinson, o blog foi inundado de reações de clientes insatisfeitos, aqueles que haviam fornecido os dados genéticos e fenotípicos do biobanco da 23andMe."Sterckx questiona se as mesmas pessoas teriam autorizado a empresa a usar o biobanco para desenvolver o método de seleção de gametas patenteado agora. A empresa nega uso indevido de informação privativa. "Estamos comprometidos com nosso princípio fundamental de dar às pessoas acesso a seus próprios dados genéticos."

Características

Alguns geneticistas não se opõem à prática da seleção de gametas caso ela seja aplicada apenas para evitar que a criança adquira novas doenças, mas acreditam que a escolha de genes deve ser limitada.

"Acho totalmente antiético selecionar características 'fúteis'; filhos não são brinquedos", diz Mayana Zatz, geneticista da USP. "No momento em que você escolhe uma característica importante para você, como o talento esportivo, você coloca uma enorme expectativa em torno disso, e seu filho pode se revoltar dizendo que ele queria ser compositor, ou cientista..."Zatz também afirma que implementar tal teste seria complicado do ponto de vista do consumidor, pois a complexidade da genética humana torna difícil que as características prometidas pela empresa sejam de fato todas "entregues" quando o bebê nasce.

"Seria teoricamente possível selecionar características com herança mendeliana, que dependem de um único gene --por exemplo, a cor de olhos", diz Zatz. "Outras com herança complexa --como personalidade, talento para esporte, longevidade etc.-- dependem da interação entre genes e ambiente, e fica impossível."Mesmo para os eticistas que criticam a empresa mais duramente, porém, ainda há chance para redenção.

"A 23andMe pode demonstrar que é séria ao agir com responsabilidade nesse assunto, caso anuncie que vai usar sua patente para impedir terceiros de tentarem adotar essa tecnologia", diz Marcy Darnoovsky, diretora-executiva do Centro para Genética e Sociedade, ONG de atuação no setor de genética e reprodução. "Essa patente pode encorajar a ideia perigosa de que a ciência deveria ser usada para criar pessoas 'melhores', reavivando o espectro da eugenia."

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]