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“Não há como negar que a pressão tende a aumentar de acordo com a notoriedade do paciente.” Paulo Hoff,  oncologista e diretor-clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo | Thaís Falcão/Divulgação
“Não há como negar que a pressão tende a aumentar de acordo com a notoriedade do paciente.” Paulo Hoff, oncologista e diretor-clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo| Foto: Thaís Falcão/Divulgação

Entrevista com Paulo Marcelo Gehm Hoff, oncologista e diretor-clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo

O paranaense Paulo Marcelo Gehm Hoff, 40 anos, um dos pa­­les­­trantes convidados do 18.º Con­­gresso Brasileiro de Cancero­logia (Concan 2009), que terminou no sábado em Curitiba, tornou-se um dos oncologistas mais conhecidos do país por ser responsável pelos tratamentos da ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, diagnosticada com um linfoma no começo deste ano, e do vice-pre­­sidente da República, José Alen­­car, que luta há anos contra o sarcoma (câncer que atinge os te­­cidos musculares).

Mas o médico se destaca desde o início de sua carreira. Natural de Paranavaí, mas criado em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, foi aprovado no vestibular de Me­­dicina da Universidade de Brasília com apenas 16 anos de idade e no sexto ano da faculdade ganhou bolsa para estudar na Universida­de de Miami, nos Estados Unidos. De lá, saiu direto para trabalhar no Centro de Câncer M. D. An­­derson, na cidade de Houston, no Texas – o maior hospital do mundo para tratamento e pesquisas em câncer –, onde se tornou professor, médico-titular e foi escolhido "médico do ano" pelo trabalho que desenvolveu em oncologia gastrointestinal.

Desde que voltou ao Brasil, há pouco mais de três anos, Hoff acumula as funções de diretor-clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), um dos maiores centros de oncologia da Amé­­rica Latina, coordenador do Nú­­cleo de Estudos Clínicos em Cân­cer (NECC) do Hospital Is­­raelita Albert Einstein, diretor estratégico do Hospital Sírio Libanês, professor titular de Oncologia do De­­partamento de Radiologia da Fa­­culdade de Medicina da Universi­da­­­de de São Paulo (USP) e diretor clínico de Oncologia do Hospital das Clínicas da USP. No Concan 2009, ele foi responsável pela co­­missão científica internacional.

Em entrevista à Gazeta do Povo, o médico fala sobre as novas descobertas em relação ao tratamento de câncer e os principais problemas do serviço de oncologia do país.

Por que o senhor optou pela on­­cologia como especialidade?

Ao ter contato com a especialidade durante o curso de Medicina e residência em Clínica Médica no fim dos anos 80, pude notar como o tratamento do câncer estava apenas começando. Tudo estava para ser descoberto. A oncologia trata de um problema de saúde pública gigantesco, que traz sofrimento para o paciente e seus fa­­miliares, e que nos permite ajudar muito esses pacientes. Além disso, sempre gostei de pesquisa e ensino e a oncologia me pareceu uma especialidade com grandes oportunidades em ambos os as­­pectos. E, sem dúvida, ela é uma das especialidades médicas mais dinâmicas da atualidade.

Quais são as maiores dificuldades e as maiores recompensas da sua profissão?

Infelizmente, um número muito grande de pacientes ainda sucumbe à doença, e isso traz emoções profundas. Afinal, a relação entre oncologistas e pacientes é muito intensa e, quando um paciente não vai bem, é sempre algo difícil. O contrário é verdadeiro. Quando um paciente vai bem com o tratamento, cura-se ou vive por muito mais tempo do que poderia sem o nosso tratamento, temos uma sensação de felicidade e de dever cumprido muito grande. Dar a chance para um pai participar da formatura ou do casamento de uma filha, ou um avô ter a oportunidade de conhecer um neto é muito gratificante.

Quais são as principais diferenças entre trabalhar no Brasil e nos Estados Unidos? Por que o senhor decidiu voltar ao país?

Voltei para ficarmos mais próximos de nossas famílias e, sem de­­magogia, por amor ao Brasil. Acre­­dito no nosso país e gostaria de dar minha contribuição para que continuemos crescendo. O povo brasileiro é muito especial. Uma das maiores diferenças entre os Estados Unidos e o Brasil é o nos­­so calor humano. Em compen­sação, os Estados Unidos valorizam muito o médico e existe um profissionalismo exemplar nas relações de trabalho na área da saúde.

Quais são as maiores dificuldades enfrentadas pelo paciente de câncer hoje no Brasil? São as mesmas enfrentadas no resto do mundo?

Diria que sim, mas em graus diferentes. A dificuldade de acesso ao cuidado médico e a medicações de ponta não são um problema apenas no Brasil. Os Estados Unidos já gastam 16% do seu PIB em saúde e estão muito preocupados porque a inflação na área médica é bem maior do que a inflação geral do país. Nós já estamos chegando a 9%, o que é bastante. Apesar disso, o médico do Sistema Único de Saúde ainda é muito mal remunerado, o que o força a trabalhar de­­mais e tende a reduzir a qualidade do atendimento. Em certos aspectos, a cobertura de saúde proporcionada pela nossa Constituição via SUS é superior à que se observa em muitos países, mas os pagamentos tendem a ser muito baixos para procedimentos como a quimioterapia e, no Brasil, ainda temos restrições importantes no acesso a medicações que modificam a história natural do câncer. Essas restrições estão levando a uma judicialização cada vez maior da oncologia no Brasil, o que irá dificultar o planejamento a longo prazo. Gostaria de ressaltar a experiência do estado de São Paulo, onde a Secretaria da Saúde está disponibilizando administrativamente uma série de medicações de alto custo, ainda não cobertas pelo SUS, para pacientes que necessitem das mesmas, desde que seguindo protocolos de conduta previamente acordados. Outro gargalo grave no tratamento do câncer no Brasil é o número ainda insuficiente de serviços de radioterapia. Esse mesmo gargalo ocorre em diversos países, mas não nos EUA nem nos países da Europa.

Na sua opinião, quais são as descobertas mais recentes e mais importantes realizadas sobre o tratamento do câncer?

As descobertas estão acontecendo quase que diariamente e seria di­­fícil escolher apenas uma. No en­­tanto, o reconhecimento de que os tumores apresentam características moleculares distintas similares está mudando o paradigma de tratamento da doença. Hoje, a palavra em voga é a individualização do tratamento. Ou seja, escolher para cada paciente o tratamento que apresente maiores chances de sucesso. Estamos apenas engatinhando nessa área, mas, acredito que muitos tumores virão a ser curados dessa ma­­neira em um futuro não tão distante.

E o Brasil, como está em relação ao trabalho desenvolvido em outros países?

Falta bastante para nos equipararmos aos EUA ou à Europa, mas o Brasil é hoje um país em ascensão. O número e a qualidade de estudos sendo conduzidos em nosso meio continua melhorando rapidamente e nossos resultados estão cada vez mais parecidos com o que é feito no resto do mundo. Diria que o Brasil já é uma das referências na Amé­­rica Latina e acredito que continuaremos nos destacando cada vez mais. O nosso pro­­­blema hoje é a heterogeneidade no atendimento. Temos serviços excelentes, mas temos outros que deixam muito a desejar. Essa realidade muda muito particularmente entre as diversas regiões brasileiras.

O senhor ficou conhecido na mídia por ser responsável pelo tratamento da ministra Dilma Roussef e do vice-presidente José Alencar. Essa notoriedade ajuda ou atrapalha?

O M.D. Anderson Cancer Center da Universidade do Texas, em Houston, onde treinei e iniciei minha vida profissional, é o maior centro de tratamento de câncer do mundo e uma referência que atrai pacientes de todos os continentes. Tive contato desde cedo com pacientes importantes, incluindo membros de famílias reais do Oriente Médio. Prefiro pensar que todos os meus pacientes são especiais, mas não há como negar que a pressão tende a aumentar de acordo com a notoriedade do paciente.

Ainda sobre o vice-presidente José Alencar, o caso dele é muito delicado e, mesmo assim, ele não perde a esperança. Até que ponto o otimismo de um paciente com câncer influencia no tratamento?

A personalidade de nosso vice-presidente é fantástica. Ele cativa a todos que participam de seu tratamento. Seria difícil dizer se o otimismo impacta diretamente no tratamento do câncer, pois não existe um estudo que tenha avaliado o impacto do otimismo na doença. No entanto, não tenho dúvidas de que um paciente interessado, participativo e otimista tende a tolerar melhor o tratamento e, consequentemente, te­­rá mais oportunidades para um resultado positivo.

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