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No Brasil, falta regulamentação específica

Apesar de haver vários grupos em universidades brasileiras que desenvolvem pesquisas com terapia gênica, não existe ainda no país um marco regulatório para o teste clínico em pacientes, o que acaba impedindo que os resultados sejam colocados em prática. "O problema no Brasil é que a Anvisa não tem regulamentação para a qualidade de produção de biofármacos ou de medicamentos genéticos em fase de teste", explica a especialista em biologia molecular e PhD, responsável pelo laboratório de terapia gênica do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, Eugenia Costanzi-Strauss.

Ela explica que, nos Es­­ta­­dos Unidos, o FDA (agência que regulamenta medicamentos) estabeleceu um protocolo a ser seguido pelos cientistas numa fase de medicina transacional, que é levar a descoberta do laboratório até o leito do paciente. "Assim se está traduzindo o conhecimento cientifico básico numa coisa aplicada para o paciente", diz. "Na hora que tivermos a regulamentação vamos poder produzir o vírus [que carrega o gene terapêutico] com qualidade clínica e treinar os médicos para trabalhar essa droga."

Segundo a professora, cien­­tistas e órgão regulador estão trabalhando juntos para que essa regulamentação seja criada o mais breve possível. "Eu andei estudando o processo adotado pelo FDA nos EUA e acredito que a Anvisa vai seguir modelo semelhante, mas com um toque brasileiro, adequado à nossa realidade e desejo de desenvolvimento tecnológico", revela.

Testes clínicos

Eficiência da droga ainda deixa dúvidas

A efetividade do Glybera ainda gera dúvidas, porque a companhia testou a droga em apenas 27 pacientes e sem o controle de rigorosos testes. O Comitê de Produtos Médicos para Uso Humano, que recomenda a aprovação de novas drogas na Europa, rejeitou o Glybera três vezes em 2011.

Após a terceira rejeição, o comitê disse que a companhia não tinha fornecido evidências suficientes de que os lipídios do sangue eram diminuídos de maneira consistente e que não havia evidências de redução da incidência de pancreatite. Mas o próprio órgão voltou atrás e disse que a população que passou pelos testes foi reduzida para pessoas com a doença mais severa e que a companhia terá de monitorar os resultados dos pacientes tratados com Glybera e fornecer os dados para os reguladores.Daniel Gaudet, professor de medicina que lidera os testes com a droga, afirmou que, depois do tratamento, os pacientes tiveram menos ataques de pancreatite e, mesmo quando houve, estes tenderam a ser menos intensos e dolorosos.

Depois de mais de duas décadas de grandes expectativas, o campo da terapia gênica está próximo de realizar um fato histórico: a aprovação de uma droga desenvolvida pela área. A Agência de Medicamentos Europeia recomendou a aprovação da terapia gênica para tratar uma doença genética rara. A terapia gênica dá ao corpo os genes de que ele precisa, como cópias corretas de genes defeituosos que causam desordens genéticas.

Se a Comissão Europeia se­­guir o conselho, como normalmente acontece, esta será a primeira aprovação de uma droga baseada em terapia gênica no Ocidente. Isso poderia dar um impulso para a área, que há tempos vem lutando por credibilidade e financiamento.

"Uma aprovação vai potencialmente mudar o modo como esse campo é visto hoje", disse o chefe executivo da Ceregene, companhia de terapia gênica em San Diego, na Califórnia, Jeffrey Ostrove. Segundo ele, algumas indústrias farmacêuticas têm sido relutantes em investir na área, porque "não existem produtos aprovados na maioria dos mercados onde elas atuam".

O medicamento recomendado para aprovação na Europa – o Glybera – foi desenvolvido pela UniQure, uma companhia alemã. Ele trata a deficiência da lipoproteína lipase, doença que afeta centenas de pessoas na União Europeia e quantidade semelhante na América do Norte.

Mutação genética

As pessoas com essa doença têm uma mutação genética que as impede de produzir a enzima necessária para quebrar as partículas que carregam gorduras na corrente sanguínea. Sem a enzima, acumula-se tanta gordura que o sangue fica com aparência esbranquiçada.

"É o equivalente a ter 10% de chantilly na sua corrente sanguínea", disse o doutor Daniel Gaudet, professor de Medicina na Universidade de Montreal, que lidera os testes clínicos da droga. Pessoas com essa doença são propensas a ter ataques severos de inflamação do pâncreas, e não existe tratamento para o problema, exceto uma dieta extremamente pobre em gordura.

Mas o Glybera fornece cópias corretas do gene da lipoproteína lipase, que permite que os pacientes produzam um pouco da enzima necessária. Com ele, a expectativa é a de que um único tratamento, que consiste em injeções nos músculos da perna, dure por muitos anos, se não mais, segundo Joern Aldag, chefe executivo da UniQure.

A terapia gênica tem sido vista como um modo promissor de tratar inúmeras doenças, mas até agora não obteve muito sucesso. Centenas de testes clínicos foram conduzidos desde 1990, e a maioria deles falhou, em parte porque tem sido difícil fazer com que os genes trabalhem por um longo período. O campo também tem sido freado por algumas questões de segurança, particularmente a morte de um adolescente em 1999 em um teste clínico na Universidade da Pensilvânia.

Contudo pesquisadores têm superado os obstáculos de forma lenta, e, nos últimos anos, tem havido relatos de sucesso nas tentativas de tratar câncer e hemofilia B, assim como doenças imunes e um problema que causa cegueira.

"Não aconteceu tão rapidamente como as pessoas sugeriam ou prometiam 15 ou 20 anos atrás, mas nós estamos começando a ver sucesso", disse o doutor Mark A. Kay, professor de pediatria e genética de Stanford.

Tradução: Kamila Mendes Martins

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