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Carlos Alberto Consoni Gomes, engenheiro civil, dono de terras próximo a Barbosa Ferraz, no Noroeste do estado: sete anos aguardando reintegração da Fazenda São Paulo, ocupada por sem-terra | Fotos: Carlos Ohara/Gazeta do Povo
Carlos Alberto Consoni Gomes, engenheiro civil, dono de terras próximo a Barbosa Ferraz, no Noroeste do estado: sete anos aguardando reintegração da Fazenda São Paulo, ocupada por sem-terra| Foto: Fotos: Carlos Ohara/Gazeta do Povo

Abandono

Terreno invadido há 4 anos não tem áreas de cultivo

A Fazenda São Paulo, localizada no distrito de Pocinho, a seis quilômetros de Barbosa Ferraz, agora é chamada de "Acampamento Irmã Dorothy". Na entrada da área, dois homens montam guarda em uma improvisada guarita de madeira, onde está afixada uma bandeira rasgada do MST. No interior do "acampamento" ninguém quer falar com jornalistas. A maioria dos barracos está fechada. Não se vê ninguém trabalhando na terra. Apenas alguns pés de mandioca estão plantados próximos aos barracos. A produção é de subsistência.

Na saída, o repórter tenta conseguir alguma informação com os "guardas". Um deles, que se identifica como Elino, diz que não tem estrutura para plantar. Reclama que as cestas básicas não estão sendo entregues, e que "isso é nosso direito".

Política

Apesar de conviverem com a presença do grupo há sete anos, os moradores de Barbosa Ferraz pouco conhecem da vida dos integrantes do acampamento e demonstram receio em falar sobre eles. A maioria dos entrevistados só concorda em falar sob a condição de anonimato. É o caso de um político da cidade. "O grupo hoje é alvo da disputa por votos. Muitos deles foram incentivados a transferir os títulos para a cidade".

De acordo com o assessor de Assuntos Fundiários do Pa­­ra­­ná Hamilton Serighelli, prefeitos defendem a presença de assentamentos de sem-terra em seus municípios "porque eles impulsionam o movimento no comércio e possibilitam um aumento na cota do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que leva em consideração o número de habitantes."

Tarcísio Barbosa, da Faep, contra-argumenta. "Eles querem mostrar um lado bom que não existe. Porque não falam sobre o inchaço da rede de saúde e o aumento de gastos de mu­­nicípios sem infraestrutura para atender essas pessoas?", questiona. (CO)

Grito da Terra

A Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Paraná e seus sindicatos filiados, representantes da categoria trabalhadora rural, realizaram o 17º Grito da Terra Paraná em Curitiba. O Grito acontece todos os anos, após o evento nacional, cuja 18ª edição ocorreu nos dias 29 e 30 de maio, em Brasília.

Errata: Diferentemente do publicado anteriormente nesta reportagem, o 17° Grito da Terra Paraná aconteceu no dia 15 de agosto. A informação já foi corrigida.

59 propriedades

das 72 que já tiveram a reintegração determinada têm negociações com os proprietários em andamento. Em 13 casos a solução está difícil, porque os proprietários não aceitam receber Títulos da Dívida Agrária (TDAs) do Incra.

O governo do estado adotou a política de resolver todos os conflitos agrários do Paraná pelo caminho da negociação. O principal objetivo é conseguir que as áreas ocupadas por trabalhadores rurais sem-terra sejam compradas por eles. Como consequência, 72 reintegrações de posse determinadas pela Justiça estão paradas. O assessor de Assuntos Fundiários do Paraná Hamilton Serighelli alega falta de estrutura para cum­prir as determinações ju­di­ciais e informa que a Procuradoria-Geral do Estado está buscando reverter as decisões do Tribunal de Justiça (TJ) do Paraná.

A escolha pelo caminho do acordo tem um preço e pode pesar no bolso do governador Beto Richa. Em dez ações que estão tramitando no TJ há pedidos de indenização pela omissão do estado na designação de força policial para cumprimento de ordens judiciais de reintegração de posse. A família Gomes, proprietária de quatro áreas ocupadas no Noroeste do estado, pede ainda que a Justiça determine multa diária pelo descumprimento da medida judicial, a ser paga pelo governador, pelo secretário de Segurança e pelo comandante da Polícia Militar.

A estratégia já foi adotada no governo anterior e surtiu efeito: em 2008, o ex-governador Roberto Requião determinou a desocupação da área, após determinação de multa diária a ser paga por ele, pelo secretário de Segurança e pelo comandante da PM. A multa foi aplicada na pessoa física das autoridades. Mas o local foi invadido novamente menos de duas semanas após a reintegração.

Além disso, o estado é alvo de pedidos de intervenção federal. O coordenador da Comissão Técnica de Política Fundiária da Federação da Agricultura do Paraná (Faep), Tarcisio Barbosa, defende a medida e diz que essa é a orientação do órgão aos fazendeiros em caso de descumprimento das reintegrações. "A lei foi feita para ser cumprida. O Estado não pode alegar que não tem estrutura para cumprir a lei. É lamentável a desculpa apresentada pelo governo. Está sendo analisado apenas um lado e a ordem judicial tem sido desrespeitada", reclama.

Em andamento

Ao todo, existem 110 áreas ocupadas no Paraná (todas consideradas litígio de posse), que abrigam 6 mil famílias, segundo levantamento da assessoria de Assuntos Fundiários do governo do estado. Das 72 que já tiveram a reintegração determinada, Serighelli afirma que em 59 a negociação com os proprietários está em andamento. "Somente em 13 casos está difícil uma solução, porque os proprietários não aceitam receber Títulos da Dívida Agrária (TDAs) do Instituto Nacional de Colonização e Re­forma Agrária (Incra)", disse. O trabalho de negociação está sendo feito em parceria com o governo federal, na figura do Incra, que prometeu ao governo do estado adquirir dez propriedades ainda neste ano.

Barbosa disse desconhecer as negocia­ções envolvendo governo do estado e proprietários rurais. Ele criticou a postura do governo e do Incra. "Juntos, eles estão apenas adiando as reintegrações. O Incra atualmente está minado, atendendo apenas às orientações do MST", afirmou. Barbosa considera também que a recusa dos proprietários em aceitar as TDAs é justa. "São títulos podres, sem garantia. Se querem as áreas, que façam propostas reais, envolvendo dinheiro", defendeu.

Inconformado, engenheiro não desiste de sua fazenda

Um quadro na sala do enge­­nheiro civil Carlos Alberto Con­­soni Gomes, 69 anos, mostra a vista aérea de uma propriedade rural bem cuidada com lavouras em desenvolvimento, máquinas agrícolas espalhadas pela propriedade e cabeças de gado pastando em uma área de 414,4 hectares no município de Barbosa Ferraz (no Noroeste do estado). A visão diária da fotografia da Fazenda São Paulo mexe com o engenheiro.

A imagem foi registrada dois me­­­­ses antes de a fazenda ser invadida por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), em 2005. A propriedade foi adquirida pelo pai de Gomes em 1950.

Gomes tinha a posse da terra, com a documentação atualizada. A área estava cultivada com lavouras de milho, soja, arroz e feijão. No pasto, criava 540 cabeças de gado. Para ele, a Fazenda São Paulo cumpria sua função social, ofertando trabalho e gerando produção. Estava distante de ser qualificada como propriedade improdutiva e de interesse social.

Três outras áreas anexas – os sítios São Vicente (158 hectares), Serrinha (118 hectares), e Garcia (48 hectares) –, uma em nome dele e duas escrituradas em nome de Carla Beatriz, sua filha, também foram ocupadas pelos invasores.

O engenheiro recorreu à Justiça, pedindo a reintegração de posse. Foi concedida liminar para reintegração, ainda no início da ação. A desocupação, no entanto, demorou dois anos e sete meses, em julho de 2008. Me­­nos de duas semanas depois, os sem-terra voltaram a ocupar a área.

Trânsito em julgado

Quase sete anos depois, a ação de reintegração já transitou em julgado – não há mais prazo para recursos. Gomes, no entanto, continua sem a posse de sua terra e segue lutando para que o governo estadual cumpra a ordem da Justiça e devolva a principal fonte de renda da sua família.

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