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Integração

A cidade de uma só avenida

Quitandinha, assim como vários outros municípios da região, em nada se parece com a Curitiba de 1,1 milhão de veículos

Família de produtores de fumo, de Quitandinha só visita Curitiba duas vezes por ano | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Família de produtores de fumo, de Quitandinha só visita Curitiba duas vezes por ano (Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo)
Moradora fiel: Sônia Bressan não sai de São José dos Pinhais por nada |

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Moradora fiel: Sônia Bressan não sai de São José dos Pinhais por nada

Doutor Ulysses, no Vale do Ribeira: parece o sertão nordestino |

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Doutor Ulysses, no Vale do Ribeira: parece o sertão nordestino

Guarda municipal de Araucária: a

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Guarda municipal de Araucária: a

A Lapa vista de cima: índices de primeiro mundo |

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A Lapa vista de cima: índices de primeiro mundo

É difícil imaginar que tipo de problemas e necessidades comuns Quitandinha, a 66 quilômetros de Curitiba, poderia ter com a capital. Quintadinha é município agrário e sua economia se baseia na produção de grãos, como milho, e criação de animais. Há apenas uma avenida principal, dos 16 mil habitantes, só pouco mais de um quarto vive na cidade, enquanto 1,1 milhão de veículos disputam diariamente espaço nas ruas movimentadas da capital.

A história de Carlos Santana Maier ilustra bem a vida dos cidadãos de Quitandinha. Ele só vem duas vezes ao ano a Curitiba, para visitar a família. É um pequeno produtor rural que recentemente conseguiu comprar um trator por meio do programa Trator Solidário. Maier planta arroz, feijão e grãos, mas consegue ter lucro mesmo é plantando fumo. Divide a produção e as parcelas do maquinário com quatro irmãos. Vive com a mulher e as duas filhas de cinco anos com pouco mais de um salário mínimo por mês. Mas não reclama, pois pode viver de sua terra. "Essa é grande diferença da cidade. Lá, se você não tiver dinheiro, não tem como negociar. Aqui conhecemos todo mundo e todos se ajudam."

A rotina dele é acordar cedo, lidar com os animais e acompanhar os meses de plantação e colheita. Apesar das facilidades da vida no campo, os moradores sofrem com a falta de serviços essenciais. De acordo com o Instituto Paranaense de de Desenvolvimento Econômico Social (Ipardes), ainda existem 7.246 pessoas em situação de pobreza e pouco menos de 2 mil residências têm abastecimento de água.

Os problemas do município são semelhantes aos das pequenas cidades do estado. Falta efetivo policial, um grande hospital que atenda casos de emergência, há poucos ônibus disponíveis para o transporte coletivo e necessidade de ampliar o transporte escolar rural.

Na terra onde minhoca sai da torneira

No caminho já se percebe porque Doutor Ulysses, a 131 quilômetros de Curitiba, tem baixo índice de integração com a RMC. Saindo da capital são 50 quilômetros de estrada de chão. O município que só tem duas ruas asfaltadas está localizado no Vale do Ribeira, uma das regiões mais pobres do Paraná, apresentando índices semelhantes aos do semi-árido nordestino. Antes de resolver problemas como trânsito e segurança pública – comuns a grandes metrópoles –, Doutor Ulysses, com 11% de urbanização, precisa acabar com a pobreza crônica. A cidade ocupa o penúltimo lugar do estado no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal. Dos pouco mais de 6 mil habitantes, 4 mil vivem em situação de pobreza.

Um problema que aflige os moradores da cidade é a falta de esgoto. Há valetas a céu aberto e 92% das residências são consideradas inadequadas nesse item. A conselheira tutelar Fátima Aparecida Machado diz que a água não é tratada e que até minhoca sai da torneira.

No Vale do Ribeira há apenas quatro hospitais – nenhum com leitos de UTI. Doutor Ulysses também tem o maior índice de mortalidade infantil da região: 27 a cada mil nascidos vivos, contra 15 no restante do estado e 9,8 na capital. Na escola faltam professores e transporte para os alunos quilombolas. Ônibus até Curitiba só três vezes por semana a um custo de R$ 25. Para Cerro Azul, cidade vizinha, a passagem é R$ 8,50.

O lavrador Osvaldo Monteiro, 58 anos, foi somente quatro vezes para Curitiba, apenas para fazer tratamentos de saúde. Trabalhava na única indústria da cidade que empregava 350 pessoas, mas que fechou as portas em função da distância. "A vida aqui é difícil, estamos isolados pela falta de estradas e para ir a locais afastados da vila é pior ainda."

Pequena, mas com problemas de cidade grande

Devido à proximidade com Curitiba, Fazenda Rio Grande, a 32 quilômetros, se "beneficiou" do pior da capital, diz o secretário municipal de Segurança Pública, Geraldo da Silva Pereira. Segundo ele, após os investimentos da capital em segurança, traficantes de locais como a Vila Osternack e CIC migraram para o município atraídos pelo pouco policiamento.

O delegado de Fazenda é responsável por mais dois municípios – 60% dos delegados da RMC atendem mais de uma cidade. "Há pessoas que nos falam que não querem escolas e hospitais, querem apenas segurança para viver. Existe muito tráfico e consumo de crack", afirma Pereira. No Conselho Tutelar chegam diariamente casos de adolescentes envolvidos com o tráfico de drogas. Eduardo, nome fictício, 15 anos, por exemplo, foi pego furtando uma casa para pagar dívidas com o tráfico e teve de passar a noite na delegacia.

Dados divulgados pela Secretaria de Estado da Segurança Pública mostram que os assassinatos aumentaram 18% na região metropolitana em 2008, com 48,9 homicídios por 100 mil habitantes. Em Fazenda houve 15 mortes violentas somente em fevereiro.

Para especialistas, a questão da segurança pública só será resolvida se todos os municípios atuarem em conjunto. "Enquanto na Inglaterra se cuida da região metropolitana para que o centro viva tranquilo, aqui ela está esquecida", afirma o presidente da União Paranaense dos Conselhos Comunitários de Segurança, Sérgio Skiba. Ele afirma que tentou fazer integração com Quatro Barras, Piraquara e Campina Grande do Sul, mas no final "cada um trabalha por si".

Mesmo não sendo função dos municípios, cada vez mais eles investem em segurança. Em Araucária há cinco anos foi criada a Guarda Municipal que acaba desenvolvendo o papel de polícia, segundo o diretor Adair Aparecido Milani: "O município se mobilizou para oferecer mais segurança.

Integração para quê?

Na Lapa, a 68 quilômetros da capital, 40% das pessoas vivem no campo. O município é um grande produtor de grãos do estado e uma das maiores extensões territoriais, quase 100 quilômetros de uma ponta a outra. Os 42 mil habitantes vivem em uma cidade que apresenta índices de primeiro mundo: 90% das moradias têm esgoto sanitário e 98%, abastecimento de água.

Os números mostram a discrepância em relação às demais cidades da RMC. Em Tunas do Paraná, por exemplo, 41% dos domicílios rurais são considerados inadequados quando o assunto é água encanada. A Lapa também se destaca na área da cultura. São mais de 20 espaços culturais, que incluem teatros, cinema, residências e igrejas históricas. As sete cidades que compõem o Vale do Ribeira têm juntas apenas 13 equipamentos do gênero, sendo que, desses, cinco são bibliotecas.

Os bons resultados, porém, tiveram pouca ligação com o ingresso da cidade na região metropolitana, em 2002. Os cidadãos foram beneficiados apenas com a diminuição da passagem de ônibus.

Novos polos de referência

Cada vez mais novos polos de referência começam a surgir na região metropolitana. Se antes tudo era concentrado em Curitiba, agora municípios promissores começam a se destacar. São José dos Pinhais se apresenta como a nova centralidade desse espaço regional, segundo o grupo de estudos Observatório das Metrópoles. A cidade também se sobressai por sediar o Aeroporto Internacional Afonso Pena.

Com a sua indústria, seu setor de serviços e seu comércio, Araucária, Campo Largo, São José dos Pinhais e Pinhais podem ser considerados os municípios que promovem a dinâmica da economia metropolitana, além de Curitiba, segundo relatório do Observatório.

A contabilista Sônia Bressan, que mora em São José , acompanhou esta dinâmica. Ela morava em Curitiba e achava que a cidade estava muito grande, em 1993. "Falei: ‘Vamos para São José dos Pinhais’. Mas agora o município é que está ficando grande", brinca. No começo, ela tinha de fazer todas as compras em Curitiba. "Hoje o município está tão bem estruturado quanto Curitiba. Agora vou para a capital três vezes por ano."

Além da infraestrutura que os municípios adquiriram, outro fator que reteve o morador foi a apreensão com o trânsito caótico. Sônia, por exemplo, levava dez minutos de São José dos Pinhais à capital. Agora, leva meia hora, tempo que ela prefere gastar não no carro, mas no seu município mesmo.

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