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Roberto Nit, ex-modelo que perdeu o movimento das pernas após um acidente de carro | Divulgação
Roberto Nit, ex-modelo que perdeu o movimento das pernas após um acidente de carro| Foto: Divulgação

Turismo médico

Experimentos dependem da legislação de cada país

A pesquisa com células-tronco se encontra em estágios diferentes conforme o país, como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, França, Espanha e China liderando entre os estudos mais desenvolvidos. Na área específica de lesão na coluna, o Brasil tem um centro de referência no Hospital São Rafael, em Salvador. Estudos feitos na instituição comprovaram uma sensível recuperação de sensibilidade nos membros após o implante de células-tronco na espinha lesionada.

A liberação de experimentos, entretanto, depende da legislação de cada país. O mais comum é que o órgão regulador de uma nação exija comprovação teórica e resultados positivos em testes com animais antes de permitir o procedimento em humanos. Nesse contexto, o turismo médico surge como alternativa para pacientes que aceitam se submeter a uma terapia de resultado incerto, porém inofensivo.

"Gostaria, obviamente, de ter uma solução milagrosa para o problema. Esta é exatamente a impressão que se teve com a divulgação maciça de resultados individuais, isolados e, muitas vezes, passíveis de desconfiança do método científico utilizado", ressalta Cristiano Milani, coordenador do Departamento Científico de Atenção Neurológica e Neurorreabilitação da Academia Brasileira de Neurologia. "Mas ainda discutiremos o assunto por muitos anos até que tenhamos a real dimensão de seu significado no tratamento desta e de muitas outras patologias", avalia. (OT)

Células-tronco alimentam esperança

Surgida há cerca de 20 anos, a medicina regenerativa é um dos mais amplos campos de pesquisa médica. Estudos conduzidos em diversos países abrangem tratamentos em uma série de patologias – do câncer à calvície. A amplitude de curas se deve à característica das células-tronco, que podem se transformar em qualquer outro tipo de célula. O enigma é descobrir o tipo de célula a ser implantada, a quantidade, o local da incisão e o domínio da geração de novas células, para que não fuja do controle e termine por formar um câncer.

Em algumas áreas, a pesquisa está mais amadurecida. Porém a maior parte dos campos ainda se encontra na fase de pesquisa teórica ou cirurgia experimental. Essas cirurgias avaliam, principalmente, se o procedimento já pode ser considerado seguro.

A recuperação da medula espinhal rompida ou comprimida é considerada um dos procedimentos mais complexos a ser desenvolvido, junto com quadros neurológicos, cardíacos e imunológicos. As cirurgias experimentais realizadas apontam para uma leve recuperação da sensibilidade dos membros, mas uma reversão total do quadro ainda não tem data estipulada para acontecer. "Não temos prazo e, por isso, não podemos vender uma ilusão sobre algo que ainda não é real", pondera Paulo Bros­man, coordenador do Núcleo de Tecnologia Celular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

  • A campanha

A foto de Roberto Nitschke mais divulgada atualmente em nada lembra seus trabalhos anteriores como modelo. As roupas de grife foram substituídas por uma blusa de moletom verde-oliva, calça de pijama xadrez e tênis brancos sobre meias vermelhas. Sentado em uma cadeira de rodas, com os cabelos despenteados caindo sobre o rosto, faz um pesado sinal de positivo para o fotógrafo e tenta esboçar um sorriso.

O visual abatido deste catarinense de 31 anos, morador de Curitiba desde bebê, é um contraste pleno com as projeções de força e autossuficiência que ele ajudou a vender durante 15 anos de carreira, mas se tornou a logomarca da última campanha estrelada por ele, esta em benefício próprio. "Levanta Roberto", uma mobilização organizada por amigos por meio da internet, busca arrecadar fundos para que o jovem possa ser submetido a uma cirurgia experimental de implante de células-tronco na medula óssea e, com sorte, recuperar os movimentos perdidos há um ano e meio após um acidente de automóvel.

A meta é arrecadar R$ 65 mil, valor necessário para que Roberto possa custear o tratamento no Panamá, onde o procedimento é realizado. A campanha, que está entrando na terceira semana, foi pensada e organizada pelo amigo Daniel Monteiro, 31 anos, publicitário que gerencia os perfis de internet da cantora Claudia Leitte.

Daniel e Roberto se conheceram na adolescência, quando trabalhavam em um acampamento religioso na Lapa, Região Metro­po­­litana de Curitiba. Nos anos se­­guintes, à medida que cultivavam a amizade e iniciavam suas carreiras na capital, passaram a se encontrar também profissionalmente: um nas passarelas, outro na divulgação de eventos de moda.

Mais tarde, porém, esse mesmo desenvolvimento profissional foi responsável por separá-los. Ro­­ber­to foi morar no exterior e fixou re­­sidência na cidade de San Diego (EUA). Daniel abriu uma empresa de publicidade e saiu de Curitiba, acumulando diversas experiências até se estabelecer em Salvador, assessorando a estrela do axé music. "Mesmo passando muito tempo afastados, quando a gente se encontra percebe que a amizade continua forte", conta Daniel à Ga­­zeta do Povo, por telefone, de Sal­­vador.

Acidente

Em setembro de 2010, quan­­do ocorreu o acidente nos EUA, Daniel foi um dos primeiros a saber da notícia no Brasil. Os detalhes da batida se perderam no co­­ma de um mês, mas os laços de fra­­ternidade se restabeleceram vencendo os 9 mil quilômetros que separam a Bahia da costa oeste norte-americana.

Pelos meses seguintes, enquanto Roberto se tornava um autodidata em lesões na medula espinhal e lia sobre as recentes pesquisas com células-tronco, Daniel tentava bolar uma maneira de auxiliar nos esforços para a recuperação do amigo, que então se resumia a sessões de fisioterapia. Após algumas tentativas de arrecadar dinheiro por meio de feijoadas e churrascos, logo percebeu que o meio em que já atua profissionalmente era onde havia a maior possibilidade de sucesso.

A conta de Claudia Leitte no Twitter tem 4,7 milhões de seguidores, uma das maiores entre personalidades brasileiras. A da campanha "Levanta Roberto" acumula 60 participantes, além de ter sido "curtida" por 144 pessoas no Face­book. A divulgação – ainda incipiente – rendeu R$ 15 mil até a última sexta-feira. Mas os organizadores estão esperançosos. "Resol­­vi aplicar minha experiência na causa. Sem o movimento das pernas, ele não consegue trabalhar. Mas se eu conseguir ajudar meu amigo a sair da cadeira de rodas, será o case da minha vida."

Passagem bíblica inspirou o slogan da campanha

A primeira ideia de Daniel era que a campanha se chamasse "Força, Roberto". Com experiência em publicidade virtual, ele lembrou que em alguns formulários da internet é necessário retirar os acentos. O "Forca, Roberto" resultante daria um sentido inverso ao desejado.

O slogan por fim escolhido é inspirado na Bíblia. O verbo no imperativo – o mesmo usado por Jesus Cristo para curar um paralítico, em passagem descrita em três livros do Novo Testamento – remete à crença em um milagre. A motivação dos dois amigos, que são evangélicos, revela um sincretismo entre a certeza galgada na fé religiosa e a expectativa em relação ao desenvolvimento científico. Somadas e enrodilhadas, as duas âncoras formaram um corpo teórico singular – que os investe de esperança em relação à cura.

"Creio que Deus pode me curar com apenas um toque, e me colocar em pé agora", aponta Roberto, por telefone, de San Diego, na Califórnia (EUA). "Mas se Ele fizesse isso iria afetar apenas a mim e à minha família. Mas, com tudo o que está acontecendo, cada pessoa que estender a mão e me ajudar também vai receber algo. Existe um propósito divino nisso". O modelo conta que, apesar de estar em uma profissão associada ao dinheiro rápido, esta não é a realidade para a maioria dos profissionais. Daniel complementa: "Todo o conhecimento, sobrenatural ou o dos médicos, é dado por Deus. Ambas são formas de Ele curar alguém", diz.

Espera

Roberto avalia que a sua cura é, sobretudo, uma corrida contra o tempo. Das conversas com médicos e leitura de notícias sobre a pesquisa com células-tronco, ele avalia que os resultados já obtidos apontam invariavelmente para a reversão do quadro de paralisia. "É um tratamento que sempre vai ser aprimorado e eu posso tentar quantas vezes for possível", estipula.

Ele entende que os desafios a serem vencidos pela medicina são vários – o que demanda uma batalha que pode se estender por décadas. Roberto atualmente procura algum tipo de trabalho, que garanta uma renda "para pagar as contas". O sonho de voltar a desfilar foi colocado na prateleira de baixo, mas ainda está lá.

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