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Drogas

A lei sob uma nuvem de fumaça

Usuários de maconha fumam nas ruas e com o aval da família, como se a prática não fosse crime

Universitário acende um cigarro de maconha: polícia raramente incomoda | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Universitário acende um cigarro de maconha: polícia raramente incomoda (Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo)

Na teoria, crime. Na prática, nem tanto. De acordo com a legislação brasileira, embora não seja punível com pena privativa de liberdade, o consumo de drogas ilícitas é considerado crime. Na prática, quando a droga em questão é a maconha, os parâmetros são diferentes. É comum encontrar usuários fumando tranquilamente seus cigarros de maconha pela ruas do centro da cidade, na frente de seus pais ou até dos filhos, como se tivessem entre os dedos cigarros de tabaco. Até a polícia, relatam eles, raramente "incomoda".

Diante dessa realidade social, em fevereiro, durante a Reunião da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, um grupo de personalidades, encabeçado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, defendeu a liberação da maconha para consumo pessoal. Há três semanas, a polícia de Araraquara, em São Paulo, encontrou, na residência de um casal de doutorandos, uma plantação de maconha com seis pés, além de 12 em processo de secagem. No mesmo período, em Viena, a Comissão de Narcóticos da Organização das Nações Unidas (ONU) decidiu não mexer na atual política de combate do problema, focada na repressão à produção, comércio e uso das substâncias ilícitas.

A ONU nadou contra a maré? Para a maioria dos curitibanos, não. Um levantamento feito em Curitiba pelo Instituto Paraná Pesquisas, no ano passado, mostrou que 80% dos entrevistados são contra a legalização da maconha para consumo pessoal. E não são só os curitibanos que pensam assim. No ano passado, a Marcha da Maconha pela liberalização da droga, prevista para ser realizada em 13 cidades brasileiras, só aconteceu em quatro delas. Nas outras nove, inclusive Curitiba, foi proibida pela Justiça, com a justificativa de que a passeata seria uma apologia ao crime.

Mesmo assim, intelectuais e usuários de maconha convictos ganham cada vez mais espaço na sociedade ao defender a causa – tanto que os organizadores da Marcha da Maconha prometem por o bloco na rua neste ano, em maio, amparados por decisões judiciais preliminares que garantam a liberdade de expressão. E, aos poucos, cada vez mais os usuários não se intimidam de passear pelas ruas da cidade à luz dos dia, com um baseado entre os dedos. "O debate não é novo na nossa cultura, mas a maconha se popularizou em setores médios e brancos e se disseminou. Antes, ela ficava restrita a guetos", explica o sociólogo, membro do Coletivo Marcha da Maconha, Renato Cinco.

Acordo familiar

Rei*, 23 anos, estudante de Educação Física, fumou maconha pela primeira vez aos 19. Há cerca de dois anos, passou a usá-la diariamente. "Fumo cerca de duas vezes por dia", conta. Ele não teme dizer que fuma na rua e em casa. "Meus pais sabem. Só não fumo na frente deles por uma questão de respeito, assim como eles não fumam cigarro na minha frente. Fizemos um acordo", explica.

Por falta de "acordo" com os filhos (um de 1 ano e outro de 3 anos) e com um vício que fala mais alto, Márcio não teme acender um baseado na frente das crianças. Não apenas sua própria casa, mas as ruas da vizinhança também se tornaram refúgio comum de Márcio para fumar maconha. "Quando dá vontade, eu acendo. Nunca tive problema. Até mesmo porque até acharem de onde está vindo o cheiro, já era", conta.

Gerson, 30 anos, é usuário de maconha desde os 10. Hoje, fuma cerca de cinco baseados por dia. Antes de sair de casa, enrola e deixa os cigarros com a droga preparados e os carrega sem medo. "Acendo aonde estiver", conta.

Em comum, os usuários de maconha entrevistados pela reportagem são estudantes universitários e trabalhadores. Dizem que a droga nunca os atrapalhou ou fez com que as responsabilidades ficassem de lado. Afirmam que a maconha os deixa "relaxados e tranquilos" e que, por isso, continuam a utilizando. Gerson e Márcio, aliás, fumavam cigarro de tabaco também, mas dizem ter abandonado o vício porque estaria lhes fazendo mal. "Parei com o cigarro. Faz muito mal: ficava sem fôlego, com uma canseira", afirma Gerson. "O vício do cigarro é pior pela quantidade. Eu chegava a fumar uma carteira de cigarro por dia", conta Márcio.

Com esses argumentos na cabeça, a maconha já vem sendo utilizada por parte da sociedade como se já fosse liberada. "Como tem gente que gosta de beber e fumar cigarro, eu gosto de fumar maconha. Minha esposa prefere que eu fume maconha do que beba", afirma Gerson. Até mesmo a posição da polícia ajuda a corroborar este tipo de comportamento, dizem os usuários. Gerson conta que sempre carrega seus cigarros de maconha no bolso ou na orelha. "Fui abordado poucas vezes. O máximo que acontece é o policial pegar o ‘bagulho’ e levar embora. Nunca tive que ir à delegacia por isso", conta.

* Os nomes dos usuários de drogas foram rocados para manter o anonimato.

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