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“Eu acho que a licença-paternidade tinha de ter o mesmo período que a licença-maternidade e ser obrigatória. Com isso, o pai poderia ficar mais próximo da família e também acabaria com a discriminação em relação à mulher. É uma pequena medida, mas que é revolucionária.” | Valterci Santos/Gazeta do Povo
“Eu acho que a licença-paternidade tinha de ter o mesmo período que a licença-maternidade e ser obrigatória. Com isso, o pai poderia ficar mais próximo da família e também acabaria com a discriminação em relação à mulher. É uma pequena medida, mas que é revolucionária.”| Foto: Valterci Santos/Gazeta do Povo

Entrevista com a catedrática espanhola em Direito Civil Rosario Valpuesta

A sociedade precisa dar mais espaço para a perspectiva feminina de poder. A opinião é da catedrática espanhola em Direito Civil, Rosario Valpuesta. Segundo ela, quando assume o poder, a mulher é levada à masculinização. Ela abordou o assunto em congressos de que participou durante sua passagem pelo Brasil, na semana passada. Rosario também aproveitou para denunciar o grande número de assassinatos de mulheres na Espanha e falou sobre as vitórias obtidas na área.

Primeira reitora da Universidade Pablo de Olavide, de Sevilha, onde ocupou o cargo por sete anos, Rosario é autora de vários livros e artigos na área de Direito. Confira os principais trechos da entrevista concedida à Gazeta do Povo:

Como uma estudiosa da história da mulher, quais são, na sua opinião, os desafios que ainda são enfrentados pelas mulheres?

O desafio é transformar a sociedade em uma sociedade feminina, porque quando a mulher assume o poder, ela se masculiniza. Tem que haver espaço para a perspectiva feminina de poder. O masculino é mais hierárquico, menos transparente e o feminino é aberto, delega, é onde existe maior horizontalidade. Há diferença entre machismo e masculinidade. O machismo é um pensamento de exclusão das mulheres e a masculinidade não exclui as mulheres a princípio, mas exige que elas se masculinizem, que haja uma renúncia das mulheres de seu próprio desenvolvimento pessoal. E isso é o que mais importa à mulher, o seu desenvolvimento interior. Ao homem importa o trabalho, o trabalho e o trabalho. A masculinidade é o teto de cristal das mulheres.

Em que fase da vida a mulher sente mais os efeitos desse mundo masculinizado?

A jovem não tem consciência da situação da mulher enquanto está se dedicando aos estudos, porque, até então, ela tem uma vida igual à dos homens jovens. É por isso que as mulheres não querem saber do feminismo. Quando elas terminam os estudos e vão se dedicar ao trabalho, é que descobrem que o mundo do trabalho é masculinizado e não está preparado para aceitar aquelas que querem ser mães. Essa conscientização acontece por volta dos 30 anos.

Quando isso acontece, como a mulher reage?

Algumas conseguem conviver, mas com algum sofrimento. Outras terminam por aceitar. Há uma aceitação da realidade e hoje temos uma falta de ideologia. A mulher aceita e se masculiniza. Ao se masculinizar, há a renúncia do seu próprio desenvolvimento pessoal. O preço que a mulher está pagando pela sua liberdade é a morte. Hoje na Espanha, morrem mais mulheres pela violência dos ex-namorados, ex-maridos do que pelo terrorismo – uma por semana. E o terrorismo é tido como um grande problema no país. Mas a Lei Integral contra a Violência é um avanço.

E o mesmo acontece no restante da Europa?

A Espanha está na média. Me parece que o país mais violento para as mulheres é a Noruega, ou a Finlândia. Isso ocorre justamente em países mais desenvolvidos porque neles há mais mulheres querendo ser livres. As mulheres que buscam a sua liberdade sofrem por causa do sentimento de posse do marido, do ex. Por isso é tão importante a Lei Integral de Sobrevivência de Gênero, que agrava as penas por lesões e ameaças quando o agressor é o homem. As mulheres maltratadas recebem indenizações e auxílio para conseguir uma nova moradia e voltar ao trabalho. Quando a mulher é maltratada pelo homem, quando não há morte, é um crime, mas quando é o contrário é apenas uma falta, um delito e não leva à prisão.

Como fica a questão da mulher incorporada no mundo das organizações e com responsabilidades familiares?

Para a mulher, ser mãe é um inconveniente para o trabalho. Eu acho que a licença-paternidade tinha de ter o mesmo período que a licença-maternidade, que na Espanha é de quatro meses, e ser obrigatória. Com isso, o pai poderia ficar mais próximo da família e também acabaria com a discriminação em relação à mulher. É uma pequena medida, mas que é revolucionária.

A senhora vê a extensão da licença-paternidade como uma medida possível?

Temos que lutar por isso. Mas a mulher tem que mudar sua mentalidade também e compartilhar seus filhos. Algumas consideram o filho como um patrimônio seu. É preciso que seja reconhecida a capacidade que o homem tem de cuidar de um filho. O pai pode ter a mesma função, o mesmo apego, pode dar o mesmo afeto. O afeto é construído, não é biológico e não tem a ver com o sexo. Os homens jovens, que já tiveram a experiência de cuidar dos filhos pequenos, querem. Quando o homem tem essa experiência de doação ao filho, não quer renunciar. Na Espanha, cada vez mais os homens têm obtido a guarda dos filhos. E hoje há a guarda compartilhada, que é uma situação justa para os homens.

Há mulheres que afirmam que não querem trabalhar fora, mas ficar em casa cuidando de serviços domésticos e dos filhos. É uma tendência?

É uma tendência entre as mulheres burguesas. Na Espanha, só a mulher burguesa age assim. Elas viram sua mãe trabalhar muito fora de casa e muito em casa. Então ela pensa: "Eu não quero sofrer como a minha mãe". Mas a mulher que fica em casa, dependendo de um marido, renuncia à sua liberdade.

Como a senhora vê esse comportamento?

Vejo como uma traição a todo o movimento das mulheres anteriores. O trabalho para uma mulher é a liberdade, no presente e no futuro. A luta do feminismo foi pelo direito ao voto, pelo direito ao estudo, conquistamos isso. Hoje nas universidades a maioria dos alunos são mulheres, mas o homem continua ganhando 22% mais.

Como é possível mudar isso?

Por meio de leis de proteção, de promoção das mulheres. Hoje a mulher está no espaço público, não porque o homem permitiu, mas porque outras mulheres lutaram muito por isso. Com a Lei de Igualdade entre Homens e Mulheres, de 2007, o Parlamento da Espanha tem hoje 43% de mulheres trabalhando. Pela Lei esse número deveria estar entre 40 e 60%. Os direitos não são dados de presente, eles devem ser conquistados.

O feminismo pode existir sem que entrar em conflito com a igualdade entre os gêneros?

Sou uma feminista, mas sou a favor da igualdade entre os sexos. O movimento feminista, como qualquer outro movimento social, não é uniforme, único, possui estridências. Existe o feminismo liberal de direita, socialista de esquerda, de igualdade, de diferenças. A diferença entre os gêneros é uma formação social e não um resultado da biologia.

A senhora veio ao Brasil para participar de diversas conferências e um dos temas abordados foi os modelos familiares do futuro. Como a senhora vê essas novas famílias?

Não sabemos como serão, mas acredito que estejam mais ligadas ao afeto e à liberdade de ir e vir. Serão mais estáveis e com maior participação dos homens. Haverá certamente uma maior diversidade de modelos familiares: monoparentais, de um pai, uma mãe, pais heterossexuais, homossexuais. A Espanha é um dos países em que é permitido o casamento homossexual. Lá, 67% da população é a favor e cerca de 50% também é a favor da adoção pelos casais homossexuais.

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