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Comboio da coluna do Norte do poder militar em Canoinhas, em março de 1915 | Créd. Acervo Museu Paranaense
Comboio da coluna do Norte do poder militar em Canoinhas, em março de 1915| Foto: Créd. Acervo Museu Paranaense

Redutos

Cidades santas se proliferam durante a guerra

A intensificação dos ataques das tropas do Exército e das polícias estaduais fez com que ao longo de 1914 pelo menos uma dezena de outras cidades santas fossem formadas pelos sertanejos. Caraguatá, Bom Sossego, Caçador Grande, Campina dos Buenos, Santa Maria, Pedra Branca, Papudo e São Pedro são alguns exemplos.

O professor Paulo Pinheiro Machado relata que esses redutos possuíam uma praça central em frente da igreja, local das reuniões gerais dos membros da irmandade cabocla, chamadas de "formas". Os sertanejos criaram outras instituições, como o grupo dos "Pares de São Sebastião" – combatentes de elite, hábeis no facão e conhecedores da tradição de João Maria.

O conflito se agravou com a chegada da expedição chefiada pelo general Setembrino de Carvalho. Sete mil soldados do Exército atuaram no cerco e no combate aos redutos. Entre março e abril de 1915, após longa batalha, veio abaixo Santa Maria, a maior das cidades santas, com mais de 20 mil habitantes. A rendição dos últimos sertanejos aconteceu em janeiro de 1916. "Na fase final do conflito, uma série de massacres e até mesmo degolas de combatentes já rendidos eram recorrentes. As cidades santas desapareceram", explica Machado.

Monges

A saga dos Joões Marias peregrinos

Antes de José Maria, outros dois monges circularam em territórios paranaense e catarinense. O primeiro, que contava com apoio do clero por ter estudado no seminário de Roma, era João Maria de Agostini e circulava pela região desde meados do século XIX. Ele era um andarilho que perambulava num amplo território que ia de Sorocaba, em São Paulo, até Rio Pardo e Santa Maria, no Rio Grande do Sul. A partir da década de 1860, este primeiro João Maria nunca mais foi visto. Para muitos, ele é um santo, chamado de "São" João Maria. O profeta pregava uma vida de respeito ao próximo, aos animais e à natureza. Ele costumava assinalar a existência de fontes de água. Entre 1890 e 1908, circula outro monge denominado João Maria – chamado também por João Maria de Jesus. Ao contrário do primeiro, ele foi hostilizado pela Igreja Católica e perambulou também por Paraná e Santa Catarina.

Para saber mais

• Lideranças do Contestado: a formação e a atuação das chefias caboclas, de Paulo Pinheiro.

• Messianismo e conflito social: a Guerra Sertaneja do Contestado (1912-1916), de Maurício Vinhas de Queiroz.

• Contestado, a Guerra Cabocla, de Aureliano Pinto de Moura.

Caboclos dizimados

Com expulsão e assassinato dos caboclos pobres, a população sertaneja nas fronteiras entre Paraná e Santa Catarina foi praticamente dizimada. Estima-se que a Guerra do Contestado deixou mais de 10 mil mortes. Nas décadas seguintes outras concentrações de caboclos, em torno de monges, foram fortemente reprimidas por forças policiais até sedimentar na região o silêncio sobre a guerra. "Ainda hoje, os descendentes dos sertanejos que lutaram no Contestado vivem em situação precária, espremidos em pequenos lotes ou na periferia das grandes metrópoles", assinala Machado.

Duzentos seguidores do monge e curandeiro José Maria refugiam-se em Irani. Sertanejos simples, eles não desejam encarar uma batalha contra as forças do governo. Mas mal sabiam que uma simples reunião numa região tomada por conflitos fronteiriços já significava um desafio às autoridades. Um grupo de 58 soldados do Regimento de Segurança do Paraná invade o local. O saldo é de 21 mortes, entre elas as dos chefes dos dois grupos em confronto: o coronel João Gualberto Gomes de Sá e o monge José Maria.

Conhecido como Batalha do Irani (localidade então pertencente ao município de Palmas, no Paraná), a luta de 22 de outubro de 1912 foi o marco inicial da Guerra do Contestado, uma longa e sangrenta batalha que se estendeu até 1916 entre seguidores do monge e forças militares. Morto, José Maria foi santificado pelos sertanejos. Reunidos em nome dele, dezenas de redutos foram formados para combater as forças militares.

INFOGRÁFICO: Veja os principais redutos do Contestado

O início desses agrupamentos parte de uma menina de 11 anos. Já era final de 1913, quando Teodora relata sonhos com o monge. "Nesses sonhos José Maria ordenava para que eles voltassem a se reunir em Taquaruçu", explica o historiador e escritor Paulo Pinheiro Machado, que é professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Um ano antes, o grupo de José Maria havia sido expulso dessa localidade, pertencente então a Curitibanos em Santa Catarina, a mando do prefeito e coronel Albuquerque, seguindo para Irani – onde as batalhas começaram.

Ao retornar a Taquaruçu, o grupo de sertanejos instalou na localidade em memória do monge a primeira "cidade santa", chamada por alguns adeptos como a Nova Jerusalém. Mas desta vez, eles sabiam estar desafiando as autoridades locais e estaduais. Além do grupo inicial de seguidores de José Maria, dirigiram-se a Taquaruçu opositores políticos dos coronéis que governavam em Lages, Curitibanos, Campos Novos e Canoinhas. "O objetivo maior era ter uma comunidade livre, justa e longe das forças políticas. Todos deviam trabalhar pela sobrevivência e em defesa da comunidade.", salienta Machado.

Segundo ele, a invenção da "cidade santa" dava um sentido novo ao que eles chamavam de "monarquia". "Negava a República vigente, dominada pelos latifundiários e coronéis. Era uma espécie de uma monarquia ‘celeste’ sem rei", aponta. Os sertanejos adotaram um corte de cabelo rente e usavam chapéus com fitas brancas na aba.

Mas entre dezembro de 1913 e fevereiro de 1914, uma série de três ataques das forças militares pôs fim à Nova Jerusalém de Taquaruçu, que chegou a abrigar 400 pessoas. "No terceiro ataque só havia mulheres no local. Muitos já haviam se dirigido a outros locais, como Caraguatá, onde deram continuidade a outras cidades santas que existiram ao longo do Contestado", ressalta Machado.

Os motivos da Guerra do Contestado

A Guerra do Contestado foi um conflito social, ocorrido nos planaltos catarinense e paranaense entre 1912 e 1916, que colocou de um lado coronéis, latifundiários e governo e, de outro, posseiros, pequenos lavradores, ervateiros e tropeiros. O conflito teve início com a perseguição policial ao grupo de sertanejos que se reunia em torno do curandeiro José Maria, em Taquaruçu.

O professor Paulo Pi­­nhei­­ro Machado explica que a disputa pela terra é a causa principal da guerra, em decorrência da tentativa de expropriação de posseiros e ervateiros caboclos, que aconteceu em três processos diferentes. No primeiro deles, houve a gradativa concentração fundiária promovida por pecuaristas, que transformavam em agregados os posseiros e sitiantes que viviam independentes, nos limites das fazendas. Posteriormente houve a concessão de até 15 km de cada lado do leito da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande para a empresa norte-americana Brazil Railway Company. E também a grilagem de coronéis da Guarda Nacional do Paraná sobre os territórios contestados por Santa Catarina.

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