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Trabalho informal

A rotina dos formigas entre a marginalidade e utilidade pública

Cerca de mil pessoas trabalham recolhendo grãos desperdiçados de trens e caminhões. A atividade desperta sentimentos contraditórios em quem vive do porto

Trabalhador informal em ação: problema social no Porto de Paranaguá | Felipe Lessa
Trabalhador informal em ação: problema social no Porto de Paranaguá (Foto: Felipe Lessa)

Marcelo Melo tem 29 anos e há oito sustenta a família com o que consegue juntar na sarjeta entre vagões de trens, carrocerias de caminhões, nos acostamentos do asfalto e das ruas de Paranaguá. Ele se junta a outros cerca de mil formigas, pessoas que atuam na região do porto, na área costeira ou na BR-277 para fazer uma varredura em busca dos grãos desperdiçados de soja, arroz e milho, ou farelo de soja e adubo. Recolhem o que conseguem e guardam em sacolas para vender ou comer. Eles não têm jornada fixa de trabalho nem lugar certo para atuar, muito menos carteira assinada.

Marcelo e os colegas formigas não se sentem menos dignos por exercer esse ofício. A jornada de trabalho geralmente é longa, com intervalo apenas para um café ou cochilo. Por dia, cada um consegue juntar uma média de sete sacos de farelo, soja, milho, adubo. Cada um com média de 25 quilos, que rendem R$ 7,00. Marcelo se esforça para fazer o maior número de "horas extras" e assim aumentar o faturamento no final do mês.

"Faço de tudo para ganhar umas três ou quatro sacolas acima da média por dia. Sabe como é, tenho família para criar e então não posso vacilar". Além de vender aquilo que juntam da sobra dos caminhões, uma pequena parcela dos grãos é reservada para a alimentação da família. "Tem caminhões com milho, soja ou arroz. Então a gente leva parte do que junta para casa. Sai caro ficar comprando em mercado", justifica.

A atuação de um formiga é uma das formas de trabalho mais marginalizadas na cidade. Sem força política para criar uma cooperativa, eles dizem ser vítimas de preconceito e de abuso policial. Ainda assim, fazem questão de reforçar que o trabalho é realizado em família. "Meus dois irmãos e seis primos também são formigas, assim como eu. Tem muita gente que está nessa por ser filho ou neto de varredor. Como faltam empregos, sobram grãos a ser varridos. Ainda assim, sofremos muita discriminação. A maioria das pessoas nos odeia", reclama.

Apesar de o ofício de recolher grãos nas ruas ser reflexo direto das atividades portuárias, a assessoria da Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (Appa) afirma não existir projetos para o reconhecimento do trabalho dos formigas. "Não é de nossa responsabilidade aquilo que os formigas fazem. Eles atuam fora da região portuária. Nos responsabilizamos pelo que existe dentro dela", ressalta.

Trem e caminhão

O serviço realizado nos caminhões é o mais trabalhoso e o mais arriscado para os formigas. Precisam subir na carroceria, soltar a lona, dobrá-la e varrer os grãos que sobram. "Geralmente a gente acena para os caminhoneiros e pede para fazer a limpeza. Uns dizem que sim, outros que não. O esquema é ir pedindo, já que eles são obrigados a entrar nas cooperativas de grãos para carregar com a carroceria limpa. Por isso muitos nos procuram até mesmo depois de descarregar", diz Ricardo Viana, de 33 anos, formiga há seis.

Para o caminhoneiro Sidney Langue, de 35 anos, o trabalho feito pelos formigas ajuda a ele e aos seus companheiros. "Hoje mesmo eu estou com o dedo machucado. Imagina ter que limpar isso. Pagando R$ 5 para um cara desses, eles deixam tudo nos conformes e então posso carregar meu caminhão novamente", conta. Já nos trens, os formigas formam filas para limpar tanto o vagão quanto para juntar todos os grãos desperdiçados nos trilhos. Apesar de ser o mais prático dos trabalhos entre os varredores, pela quantidade agrupada nos locais sempre ser maior, este é também o local mais perigoso para se trabalhar, segundo os formigas.

"A Polícia Militar e a Guarda Portuária não nos dão sossego. Chegam e gritam: Pina maluco! E se a gente não correr, eles judiam", dizem alguns formigas. Alguns jovens entram em áreas do porto e da América Latina Logística. De acordo com o chefe da segurança portuária, capitão Olavo Vianei, o que ocorre nessas situações é a invasão de algumas pessoas que dizem ser formigas, mas não são."Toda vez que alguém entrar em áreas particulares, vai haver o combate ao crime. Muitos entram nos pátios da ALL para saquear. Esse não é o trabalho de um formiga. Infelizmente é parte do contraste da realidade de pessoas que vivem no extremo da miséria com as grandes riquezas que por aqui passam", diz.

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