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A nutricionista e historiadora Juliana Reinhardt, 32 anos, encontrou na culinária um caminho para falar da presença alemã em Curitiba e, por tabela, do legado luterano. Em sua dissertação de mestrado, defendida no Departamento de História da UFPR em 2002, discorreu sobre a Padaria América, fundada em 1913 por Eduardo Engelhardt e logo transformada num ponto de referência dos alemães

É da América que ainda hoje sai a famosa broa de centeio – o mais alemão dos alimentos –, abastecendo um hábito que cruza o século 20. Ao perceber a importância que o costume de consumir essa receita de pão tinha para a comunidade, Juliana lançou-se numa tese de doutorado – orientada pelos historiadores Carlos Moreira e Sérgio Nadalin – em que investigou as relações entre identidade e culinária germânica. "Os luteranos, por conta da língua e da religião, eram vistos como ‘o outro’. A tendência do grupo foi se fechar e a ser considerado mais alemão do que os ale-mães católicos – cuja religião, mais universal, permitia mais possibilidades de troca com a comunidade", ilustra Juliana. "Os alemães eram de origens muito diferentes. Ser luterano era muitas vezes a única coisa que tinham em comum", reforça o historiador Sérgio Nadalin.

A pesquisadora – que o início deste ano defendeu a tese "Dize-me o que comes e te direi quem és: alemães, comida e identidade" – entrevistou cerca de 20 descendentes de alemães, incluindo vários da comunidade luterana da Rua Inácio Lustosa, mais tradicional, envelhecida e onde o culto ainda é rezado em alemão. As hipóteses da pesquisadora se confirmaram: o último lugar em que as tradições culturais se despedaçam é à mesa, justo por ser um território da vida privada no qual os alimentos ganham significados muito particulares, além de afeto e um lugar cativo nas memórias familiares. Em alguns casos, esse elo chega a ser indestrutível.

O centeio também é comum a poloneses, ucranianos e austríacos. Mas no caso dos luteranos o sentido do consumo é mais acentuado, pois o grupo enfrentou várias estranhezas na cidade – pelo menos até a Segunda Guerra, quando passou a ser visto como "inimigo dos brasileiros" e teve até de retirar o nome de família da fachada dos comércios. "Muitas crianças luteranas não podiam nem brincar com outras crianças", comenta.

Manter certos hábitos – como o da broa de centeio – representou uma forma de resistência cultural para o povo que teve o cemitério negado, sofreu perseguição por causa da língua e enfrentou sinais de intolerância religiosa. "Como broa porque sou alemão", disseram alguns entrevistados, num exercício de lógica e de olfato. Nada mais germânico.

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