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O sobrenome Boff foi sinal de fumaça e fogo por quase três décadas no Brasil. Nesse período, o ex-frei Leonardo Boff lançou livros como Jesus Cristo Libertador e viveu às turras com a hierarquia da Igreja Católica. Mas os tempos de guerra santa são passado. Hoje, Leonardo discursa para multidões sobre temas como meio ambiente e hospitalidade. A história só não fica por aí porque para um outro membro da família Boff fazer teologia continua sendo sinônimo de viver perigosamente.

É o mínimo que se deve dizer sobre o frei Clodovis Boff, 61 anos. Embora menos conhecido que o irmão, há quem jure que o que escreveu, em impressionantes 30 livros – fora outros tantos em coletâneas – é um dos legados mais sólidos e explosivos da Teologia da Libertação. Por que então Clodovis não acabou no noticiário?. É simples: porque não mexeu com dogmas católicos. Nesse quesito, inclusive, declara-se um conservador. Já quando o assunto é a estrutura social da Igreja, o revolucionário pulsa na veia. "Ainda somos pouco democráticos", vaticina o falante catarinense de Concórdia, há cinco anos morador de uma chácara de três alqueires do Bairro Alto, em Curitiba, sede do seminário maior de sua ordem, a medieval Servos de Maria.

Semana passada, ao lançar na capital paranaense Mariologia Social – o significado da Virgem para a sociedade (Ed. Paulus) Clodovis deu mais uma prova de que é um dos vanguardistas da teologia latino-americana. No calhamaço de 728 páginas, ele brinca com fogo ao fazer um compêndio mariano nada convencional, no qual explora, inclusive, a intimidade daquela que é uma das figuras mais invocadas do planeta, a Virgem Maria. "Estou coberto. Dom Moacir Vitti colocou o chamegão ali", diverte-se o especialista em Teologia Social, sobre a aprovação eclesiástica, pára-raio contra transtornos que hão de vir.

Em seu estudo, o senhor passa da Maria da vida privada para a Maria da vida pública. Foi um grande salto?

A imagem social e política da Virgem atravessa toda a História da Igreja. Quando Constantino transferiu a sede do Império para Constantinopla, colocou-a como patrona. Ela passa a ser invocada sempre que a cidade está em perigo, ganha as formas de uma imperatriz. Havia uma politização da figura de Maria, mas aos poucos ela se estreitou no coração das pessoas e perdeu sua amplitude social.O que não impediu que se tornasse um dos maiores esteios do cristianismo.

O senhor concorda?

O sociólogo norte-americano Andrew Greeley afirma que há 2 mil anos Maria é o símbolo mais potente do Ocidente. Eu corrigiria dizendo que é o mais popular depois da cruz.

A figura da Virgem continua sendo um problema ecumênico?

Em relação a Maria, a maioria das igrejas cristãs já tem um documento de consenso com a Igreja Católica. Já com as seitas pentecostais, o problema é a disputa de mercado religioso. Maria é um elemento da identidade católica e esse vínculo é difícil de romper. Cerca de 60% dos pentecostais são ex-católicos, mas muitos voltam para a Igreja porque não toleram a desconsideração com Nossa Senhora. Esse radicalismo é muito conveniente. Apesar do culto católico à Virgem, a posição da mulher dentro da Igreja é motivo de discussões apaixonadas.

Como o senhor lida com essa questão?

Toco, mas não me aprofundo. As teólogas feministas vêem Maria como símbolo religioso usado para manter a mulher na submissão. No meu livro, falo de Maria como mulher livre, que tem desejos, sonhos, amor de mulher, uma imaginário de noiva, pois ia se casar com José. Essa dimensão não foi muito desenvolvida no cristianismo. Ninguém colocou Maria no divã, o que soaria um pouco dessacralizador. Explorei esse aspecto. Mandei o bispo ler com a lupa para ver se não tinha nenhuma dificuldade. Estou coberto, porque ele (dom Moacir Vitti) colocou o chamegão ali. (risos)

O livro O Código da Vinci ganhou fama nas livrarias e nos cinemas fazendo de Jesus e Maria Madalena personagens da ficção. O que lhe parece?

É um assunto delicado, pois envolve ícones diviníssimos e sacratíssimos. O povo evolui se é respeitado no seu sentimento religioso. Ao se sentir violado, ataca e não acolhe os avanços propostos pela cultura. Pelo que vi, não acho que O Código da Vinci realmente trate Jesus com nível. É banal. O Mel Gibson (de A paixão de Cristo) pelo menos colocou o sentimento de Jesus, tinha retaguarda teológica. Já essa história com Madalena é ridícula, uma bobagem. Fazer sucesso e ganhar dinheiro em cima de ícones religiosos, para mim, não passa de parasitismo cultural.

Diz-se que sua obra é muito mais polêmica e avançada que a do seu irmão, o ex-frei Leonardo Boff. Como o senhor não mexeu com a hierarquia da Igreja, teria passado despercebido. O que pensa disso?

Faz um pouco de sentido, embora eu também tenha sido castigado. O cardeal do Rio de Janeiro, dom Eugênio Salles, me tirou a missio canonica (permissão para dar aula) e não pude mais lecionar na PUC por causa das minhas posições eclesiológicas. Porém, doutrinariamente, sou orgulhosamente conservador. O cristianismo tem valores perenes, por que eu vou questionar? Mas posso discutir as formas. Sou muito crítico com respeito à estrutura sociológica da Igreja. O poder de decisão está concentrado, a última palavra não são instâncias democráticas.

O senhor tem discordâncias teológicas com seu irmão?

Não diria discordâncias, pois a gente não se confronta. Gosto mais dos seus escritos passados, pois são mais orgânicos, científicos, pesquisados. Hoje, inclusive, ele tem uma linha de reflexão muito menos vinculada à Igreja. O Leonardo mistura com facilidade Buda, Cristo, Gandhi. Ele é leigo e como leigo está mais voltado para o público de massa. Segue uma literatura didática, próxima da auto-ajuda, que é uma linha banal, simplória. Além disso, não precisa mais dar contas ao bispo.

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