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ADPF 635

“ADPF das Favelas”: decisão final do STF vai melhorar ou piorar de vez a segurança do Rio?

ADPF 635 no Rio de Janeiro
STF muda o tom e reverte a maioria das restrições à atuação policial nas comunidades do Rio de Janeiro (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

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Uma decisão conjunta do Supremo Tribunal Federal (STF) proferida na última quinta-feira (3) em relação à ADPF 635 – chamada “ADPF das Favelas” – surpreendeu positivamente agentes das forças de segurança do Rio de Janeiro e até mesmo o governador do estado, que classificou os termos do julgamento como uma “vitória da segurança pública”.

Na prática, o voto feito em comum acordo entre os ministros encerra cinco anos de interferência da Corte, sob a liderança do relator, Edson Fachin, na política de combate a facções criminosas que operam dentro das favelas. Após inúmeros alertas feitos por entidades civis, pelo governo do estado e, em especial, pelas polícias militar e civil, Fachin precisou voltar atrás em relação às duras imposições que fortaleceram o crime organizado em escala sem precedentes.

Em fevereiro deste ano, o ministro proferiu um voto que tornava permanente uma série de restrições às forças policiais a pedido do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e de ONGs que atuam no estado. Fachin também votou por manter a mão pesada do Supremo interferindo na segurança pública do Rio de Janeiro. No entanto, os demais ministros não aprovaram o voto – a Corte decidiu modificar uma série de pontos e anunciar uma decisão colegiada a partir de um “consenso” entre seus membros.  

Na decisão, há uma nítida mudança de tom: a maioria das restrições à atuação das forças de segurança nas comunidades, que perduraram por anos, foram derrubadas, e as constantes críticas à polícia foram atenuadas. Os ministros foram além e reconheceram formalmente as facções criminosas como violadoras de direitos humanos e determinaram que cabe à polícia decidir sobre o uso necessário da força.

Outro ponto de destaque da decisão é que a Polícia Federal (PF) passará a investigar organizações criminosas em casos de crimes com repercussão interestadual e internacional. Veja a seguir as principais mudanças:

Quais foram as mudanças na ADPF 635

O que foi derrubado

  • Proibição do uso de helicópteros nas operações
  • Realização de operações policiais somente em casos “excepcionais devidamente justificados”
  • Necessidade de aviso prévio ao Ministério Público sobre as operações
  • Reconhecimento do “Estado de coisas inconstitucional”, que permitia ampla ingerência do STF na segurança pública do Rio de Janeiro
  • Proibição a operações policiais próximas a escolas e hospitais
  • Restrições severas para o uso da força

O que permanece

  • Comunicação imediata ao Ministério Público após operações em que haja vítimas
  • Instalação de câmeras nos uniformes dos policiais e nas viaturas (exceto quando estiverem em atividades investigativas)
  • Plano de redução da letalidade policial apresentado pelo governo estadual
  • Preservação do local sem interferência externa para a realização de perícia em caso de mortes de policiais ou civis
  • Buscas domiciliares podem ser feitas apenas durante o dia
  • Presença de ambulância nas operações policiais previamente planejadas (exclui as operações emergenciais)

O que há de novo

  • Criação de um plano de reocupação territorial das áreas dominadas pelo crime (pelo governo do estado)
  • Polícia Federal investigará organizações criminosas em casos de crimes com repercussão interestadual e internacional
  • Criação de programa de saúde mental para policiais (pelo governo do estado)
  • Grupo de trabalho coordenado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para monitorar o cumprimento da decisão do STF
  • Adoção de novos indicadores de uso abusivo da força policial e vitimização de civis em confrontos com autoria indeterminada.
Barricadas ADPF 635Criminosos aproveitaram as restrições à presença policial para construir centenas de barricadas a fim de impedir a passagem de viaturas (Foto: Fabricio Oliveira Pereira/Arquivo Pessoal)

Impactos das restrições impostas pelo STF durará anos, diz procurador

Para Marcelo Rocha Monteiro, procurador de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), ao longo dos cinco anos dos efeitos da ADPF 635, o Supremo “assumiu a função de Secretaria de Segurança do Rio, estabelecendo quando e onde a polícia deveria realizar operações de repressão ao crime nas mais de 1.400 comunidades dominadas por tráfico e milícia”.

“Agora o Supremo lembrou que há separação de poderes. Mas os moradores do Rio, sobretudo os mais humildes, passarão anos pagando o preço desse equívoco – vítimas do aumento da criminalidade gerado pela catastrófica ADPF 635”, declara.

Segundo Monteiro, somente a principal facção do Rio de Janeiro, o Comando Vermelho, expandiu seu território em 25% durante a vigência das restrições. Já as operações policiais foram reduzidas em 60%.

ADPF 635 parecia atender interesses ideológicos, diz ex-comandante do BOPE

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 foi apresentada pelo PSB em 2019 e, a partir daí, dezenas de ONGs passaram a integrar o processo fazendo uma série de pedidos aos ministros. Alguns desses pedidos causaram estranheza, como o livre acesso a todos os protocolos de atuação policial no estado e aos vídeos de câmeras nas fardas dos agentes, o que inevitavelmente comprometeria o trabalho das forças de segurança.

Como mostrado pela Gazeta do Povo, algumas dessas ONGs possuíam ligação com lideranças de facções e várias delas distorceram dados para convencer os ministros a criar mais empecilhos às operações de segurança pública.

Na avaliação do coronel Mário Sérgio Duarte, ex-comandante-geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro e bacharel em Filosofia, os efeitos prolongados da ADPF 635 criaram na população uma percepção de desprezo por parte do Supremo em relação à progressiva conquista territorial pelas facções criminosas.

“Até a atual decisão – que, afirmo, traz alento à população e permite às polícias concluírem que a criminologia radical não predomina entre os senhores ministros –, a ADPF parecia atender, quase ingenuamente, sutis estratagemas ideológicos de luta de classes, disseminados por ativistas que misturam, no imaginário do desatento, as maltas criminosas e a população inocente, deturpando a dimensão ética do termo ‘civis’”, diz o coronel, que também é ex-comandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) no estado.

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