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Padre José Aparecido Pinto no interior da Capela da Glória: Cúria Metropolitana e prefeitura não falam a mesma língua | Fotos: Henry Milleo/Gazeta do Povo
Padre José Aparecido Pinto no interior da Capela da Glória: Cúria Metropolitana e prefeitura não falam a mesma língua| Foto: Fotos: Henry Milleo/Gazeta do Povo
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Deus acuda

Capela da Glória soma 119 anos, mas foi nos último cinco que experimentou o peso da degradação.

Reprodução

1894 – Morre o comendador Francisco Fasce Fontana, ítalo-uruguaio ligado à exportação e extração de erva-mate no Paraná. Deixa viúva Maria Dolores de Leão e órfão Francisco Fido Fontana. [foto]

1895 – Maria Dolores de Leão manda erguer capelinha em honra de Nossa Senhora da Glória e nas intenções do marido morto. Templo em estilo neoclássico é assinado pelo arquiteto italiano Antônio Dallegrave. Nos anos seguintes, Dolores se casa com o capitalista Bernardo da Veiga, tendo mais três filhos. Ampliações na capela são feitas com o pedido de uma graça: a recuperação financeira das empresas da família.

1930 – Capela chega à forma como está hoje.

1960-1969 – Templo particular passa a abrigar as Novenas de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Com capacidade para 200 pessoas apenas, no final dos anos 1960 as rezas são transferidas para nova construção, na frente do Estádio do Coritiba.

Anos 2000 – Famílias Fontana, Veiga e Leão decidem doar Capela da Glória para a Cúria Metropolitana.

2007-2011 – Cúria faz primeiro projeto de restauro, na base de R$ 690 mil. Primeiro alvará de restauro será expedido em 2009. Repasse do imóvel para a Mitra se dá apenas em 2011. Orçamento fica defasado.

2012 – Capela é listada como Unidade de Interesse de Preservação (Uip). Cúria reivindica que seja Unidade Especial, a Uiep, manobra que exige novo projeto de restauro.

2013-2014 – Verbas insuficientes e processos de captação lento mantêm capela fechada. Sino é roubado, parte de anjo do teto cai e avaria forro, prejudicando pisos e pinturas.

Fonte: Cúria Metropolitana, Fernando Fontana, Aline Bandil e Secretaria Municipal de Urbanismo.

O caso

Demora no restauro se deve à situação do patrimônio histórico

Demora no salvamento da Capela da Glória está ligada à situação vulnerável em que se encontra o patrimônio histórico.

O repasse de um templo particular para a Cúria Metropolitana parecia não ter segredo. A maioria dos imóveis religiosos são responsabilidade da Mitra – seria esse mais um. O problema começa em 2007, quando foi feito o primeiro projeto de restauro da construção, orçado em R$ 690 mil. A captação se deu de forma rápida. O dinheiro, hoje aplicado na conta da capela, rendeu e soma R$ 900 mil. Mas não é o bastante, pois a capela mudou de status junto ao patrimônio cultural. O restauro deve ser mais rigoroso. O valor pode chegar a R$ 1,2 milhão, num momento em que a captação de verbas para esse destino está em recessão: há muita oferta de potencial construtivo à venda na praça, inflacionado pelo projeto da Arena da Baixada. Enquanto isso, a capelinha sofre ação do tempo. Assunto mobiliza redes sociais.

Mapeamentos

Capela é mirante do ciclo da erva-mate

Curiosa e pitoresca, capela guarda detalhes da vida privada de famílias que ajudam a fundar o Paraná moderno

Leia aqui a matéria completa

  • Vista da capelinha desde a Avenida João Gualberto. Ao lado desponta a mansão dos Veiga
  • Detalhe de interior da Capela da Glória. Espaço total – templo e terreno – soma 700 metros quadrados, abriga não mais de 200 pessoas e é marco do ciclo da erva-mate no estado
  • Janelas avariadas da Capela da Glória. No último ano, buraco no teto levou a pique interior do templo
  • Detalhe de anjo caído do teto da capelinha
  • Detalhe de anjo caído do teto da capelinha
  • Detalhe dos nichos. Santos – trazidos da Itália – estão guardados em depósito da Cúria Metropolitana
  • Detalhe da nave da igreja
  • Teto furado, ao sabor das chuvas
  • Chuvas agravaram situação do piso
  • Vista geral da Capela da Glória. Local é visto por milhares de Curitibanos que passam todos os dias pela canaleta da Avenida João Gualberto
  • Fernando Fontana e o retrato do antepassado, comendador Francisco Fasce Fontana, cuja morte, em março de 1894, levou à construção da Capela da Glória, um ano depois

"É uma pequena joia", resume a arquiteta Aline Soczek Bandil, especializada em restauro de prédios religiosos, ao mostrar as plantas da Capela Nossa Senhora da Glória, na Avenida João Gualberto, 537. Não se trata de um clichê. A "capelinha", como é chamada, foi erguida no final do século 19 e até meados do século 20 ficou debaixo das rédeas de seus herdeiros. Sim, era um templo particular – raridade no conjunto da arquitetura sacra. Daí ter sido tratada como uma parte da casa – melhor, das mansões – das famílias Fontana, Veiga e Leão, nessa ordem, o que garantiu a integridade do imóvel. Poucas igrejas tiveram a mesma sorte.

Veja mais fotos da capela

Aline – que tem no currículo outras joias, como as paróquias de São Pedro do Umbará e Bom Jesus do Portão – bem sabe. De vigário em vigário, pinturas somem das paredes, escondidas por tintas baratas. Portas de madeira maciça são substituídas por mobiliários vulgares. Santos importados perdem o posto para gessos horrendos. É o diabo. Mas na Capela da Glória não aconteceu. Quase tudo é original. As interferências tresloucadas foram poucas, restritas aos anos 1960, garantia de que o local – um ponto turístico informal do Alto da Glória – poderia integrar o circuito cultural da cidade.

De 2007 para cá, contudo, o teto desabou, e isso não é um eufemismo. Um anjo de cimento perdeu a cabeça, furou o telhado e o forro, beijando o chão. A chuva veio atrás, repetidas vezes, passando o rodo nas poucas, porém graciosas, decorações dos interiores. O sino foi roubado. A Cúria Metropolitana, que oficialmente, desde 2011, é dona do local, retirou as imagens francesas – Santo Agostinho e Santa Efigênia –, alfaias, alguns nichos, de modo a evitar os saques. Mas era tarde – o esforço de 100 anos escoou pelo ralo. Rápido dedos foram apontados, em busca dos culpados.

Mea culpa

"A Cúria é um cliente difícil", diz um representante da prefeitura que pede para não ser identificado. Ele se refere ao impasse burocrático que atrasou em cinco anos a tomada de posse e o restauro – então bem em conta – da capelinha.

A arquidiocese, diz, não teria entendido as regras do jogo do patrimônio e as penitências que rondam a venda do potencial construtivo. O recurso legal criado para custear construções históricas virou moeda banal para erguer creches e estádios de futebol, deixando o passado ao sabor do vento. A Mitra agora sabe do que se trata: recebeu o templo em doação, fez um projeto de salvamento, tudo nos conformes, mas entre o orçamento de R$ 690 mil – calculado em 2007 – e as necessidades que se impuseram depois que as chuvas entraram pelo teto, esse valor quase duplicou. Pede-se novo projeto, novo orçamento, mas dinheiro – talvez com milagre.

Para agravar a situação, a capela melhorou seu status, passando a Unidade Especial de Interesse de Preservação (Uiep), um privilégio reservado, por exemplo, à catedral ou à Casa do Estudante Universitário. O título a coloca na ponta da fila da captação de dinheiro para restauro, mas a espera tem sido, com perdão ao trocadilho, "inglória". Com R$ 900 mil em caixa, já conseguidos, a Mitra terá de suar para conseguir, em tese, mais R$ 300 mil necessários às obras. A arquiteta Aline Bandil faz das tripas coração para que os custos baixem. Mas não é o único problema.

O restauro de unidades especiais é três vezes mais rigoroso – pode não ficar necessariamente mais caro, mas se torna mais demorado. É preciso arrumar telhas e madeiramentos tal e qual eram. Cada caimento de telhado e detalhe do entorno passa pelo pente-fino. As etapas correm debaixo da lupa de técnicos da prefeitura, o que para a Igreja, com 2 mil anos de tradição no assunto, soa como acinte.

Know-how

A Cúria admite que gostaria que o dinheiro captado fosse liberado – por que não? O faltante viria em campanhas junto aos fiéis, que por certo se sensibilizariam ao ver a capelinha aberta. Religiosos têm know-how no assunto. A Secretaria Municipal de Urbanismo, no entanto, diz "não" ao pedido, alegando rigor com a coisa pública. Sem projeto novo e sem orçamento detalhado nem uma esmola sequer será liberada. Houve estresse, é claro. O padre José Aparecido Pinto, ecônomo da arquidiocese, informa que as normas foram acatadas, como a reportagem da Gazeta do Povo pôde conferir. A prefeitura aguarda a papelada em dia.

Na prática, dois estragos foram feitos. Um na arquitetura da capelinha. Outro na opinião pública. Críticas pipocam nas redes sociais. Pelo menos um ganho: a Capela da Glória, descobriu-se, não é nem da Mitra nem das estirpes ervateiras - é da cidade, que a reivindica em bom estado, já.

Templo deve abrigar ponto de cultura

Os ânimos se acalmaram no ringue em que digladiaram a Mitra Arquidiocesana e a Secretaria Municipal de Urbanismo. Obra e graça do padre José Aparecido Pinto, 56 anos. O ecônomo da arquidiocese decidiu dar cabo ao impasse, acatando as regras municipais, ainda que as lamente. Um novo projeto de restauro deve apertar o orçamento em no máximo R$ 1,2 milhão, tirando a Capelinha da Glória da agonia. O religioso, inclusive, tem planos para o local.

José Aparecido é conhecido pela pujança de seu trabalho social. Mora com as idosas no Asilo São Vicente, no Juvevê, e revoluciona a cada tempo o setor de alimentação à frente da ONG Ação Social, no bairro do Rebouças. Para quem o imagina interessado apenas em setores vulneráveis, o interesse pelo patrimônio impressiona. A depender do padre, a Capela da Glória deve se tornar um porto para a cultura religiosa, a exemplo do que acontece em países da Europa.

Novenas e concertos

O aparente comportamento reservado dos bairros elegantes – como é o Alto da Glória – não o intimida. "Teremos gente em todas as missas", garante, com a experiência de quem atende todas as capelas do Centro Cívico. Não lhe faltam fieis em lugares pouco piedosos como a Assembleia Legislativa, por exemplo. O pequeno templo da João Gualberto, acredita, terá acolhida ainda melhor, podendo servir de sede para novenas e concertos de câmara. Quando será, ainda não se sabe.

Em tempo. Para os que alardearam que todo o equipamento religioso da capelinha tinha sumido, José Aparecido faz o alerta: todo o material está acondicionado nas dependências da Cúria, na Rua Jaime Reis – bairro São Francisco.

Capela

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