
Até o ano passado, boa parte da população de rua não existia para o governo federal. Ela entrou nas estatísticas somente em 2008 quando o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), em parceria com a Unesco, fez uma pesquisa nacional sobre o tema. Os números revelaram um cenário nada animador: 32 mil pessoas nesta situação. A capital paranaense ficou com o incômodo terceiro lugar no ranking, com 2,7 mil moradores. A Fundação de Ação Social (FAS) contesta os dados e mostra uma conta com 1,6 mil pessoas a menos.
Diante deste cenário, em maio deste ano, representantes de movimentos populares, moradores e ex-moradores de rua se reuniram em Brasília para debater o que será a primeira Política Nacional da População em Situação de Rua. A missão é parar de "enxugar gelo". O consenso entre especialistas é que a criação de albergues é uma medida paliativa, mas foi convertida na única ação do poder público. Para eles, não se pode falar em ações efetivas considerando somente a assistência social. É preciso unir educação, cultura, saúde, habitação, previdência, acesso à Justiça e ao mercado de trabalho. "Essas pessoas precisam ser atendidas dentro de uma perspectiva global. Porque se a gente continuar apenas criando abrigos e albergues apenas alimentamos e reproduzimos este fenômeno", diz a doutoranda em Políticas Públicas na Universidade de Brasília e autora do livro Trabalho e população em situação de rua no Brasil, Maria Lúcia Lopes da Silva.
Até o fim de julho a nova política será encaminhada à Casa Civil para aprovação. Entre as reivindicações de movimentos populares estão a criação de um Centro de Referência Nacional em Direitos Humanos, novas regras para os albergues, a criação de casas de cuidado e a redução da idade para acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). Mas o caminho para combater a pobreza e a permanência de pessoas na rua ainda é longo. Os dados da pesquisa mostram que quase 90% dos entrevistados não recebem nenhum benefício dos órgãos governamentais. O número de moradores de rua também vem aumentando. Na década de 90 em São Paulo havia cerca de 3,5 mil pessoas sem lar, hoje são 13 mil.
Caso de polícia
O ex-presidente Washington Luís, que governou o país de 1926 a 1930, resumiu com uma frase o que viria a ser a política voltada para a área social no Brasil: "Questão social é caso de polícia." Para especialistas, a falta de atenção em relação aos moradores de rua é reflexo desse pensamento. "Há uma tradição filantrópica e personalista desde muito tempo no Brasil que aponta a questão da pobreza na rua como objeto da caridade pública e não de um planejamento de política específica", afirma o sociólogo e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Dario Sousa e Silva Filho.
Para especialistas, a política nesta área deve ser heterogênea e ter programas para aqueles que querem sair das ruas e para aqueles que não querem. Além disso, o eixo principal deve ser a prevenção. O albergue acaba reunindo em um mesmo local várias problemas sem nenhum critério e sem possibilidade de solução. "Falar de uma solução global para a questão é criar uma expectativa que não vai ser realizada. Aí fica muito fácil a população concluir que se não se resolve o problema não é culpa da política e sim dos próprios moradores de rua", argumenta Silva Filho.



