Saber envelhecer é reconhecer esse desenvolvimento humano, é vivê-lo, sem ignorar as limitações que o envelhecimento traz ao corpo, mas sem fazer delas a única perspectiva possível da velhice.
Alguns filósofos já analisaram a questão do envelhecimento no passado. De modo geral, esse tema é abordado no contexto de uma discussão acerca da contraposição entre a deteriorização do corpo, com as consequências que isso acarreta, e o amadurecimento da alma. Talvez o texto mais diretamente voltado ao tema tenha sido o da escritora Simone de Beauvoir (A velhice, Nova Fronteira, 1990). Ali ela mostra as dificuldades que o envelhecimento traz no âmbito de uma sociedade que prima pela inovação tecnológica. Se a velhice significa a permanência da tradição, uma sociedade que possui a necessidade de estabelecer sempre o novo é também uma sociedade que não encara a velhice como algo que pode ser positivamente considerado. Ela cita autores como Platão, porém, para mostrar em que sentido a velhice pode ser positivamente pensada. Para Platão, embora a velhice possa trazer todas as limitações do corpo, e nesse sentido provocar dores e dissabores, ela também poderia ser entendida como uma libertação. Isso porque, para ele, é na alma que consiste a essencialidade humana. A velhice, dessa forma, é sempre um "lampejo" de contemplação da imortalidade da alma. Cícero, autor de um texto também destinado ao tema, mostra em que medida é preciso que se viva o envelhecimento de forma positiva e uma das formas é não alimentando as reclamações pelas dores e dissabores corporais e se focando nesse amadurecimento da alma.
O que esses filósofos mostram, ainda que não precisemos assumir todos os pressupostos apresentados pelos mesmos (tais como o da imortalidade da alma, defendido pela filosofia platônica), é que a velhice pode ser entendida em seu duplo aspecto. Se ela representa um relativo perecimento do corpo, por outro lado, leva ao desenvolvimento das qualidades humanas. Saber envelhecer é reconhecer esse desenvolvimento, é vivê-lo, sem ignorar as limitações que o envelhecimento traz ao corpo (limitações cada vez mais minimizadas pela medicina), mas sem fazer delas a única perspectiva possível da velhice.
Estimular na sociedade o respeito pela cultura, pela história, é, em contrapartida, também uma forma de o ser humano perceber o envelhecimento de modo mais positivo. Toda necessidade alienante de inovação, todo culto desmedido à imediatilidade do corpo, é um não saber lidar com sua própria velhice, com o seu amadurecimento. Uma sociedade que percebe a sua história, o seu percurso e trajetória, inerentemente impulsiona o indivíduo a focar-se no lado positivo do envelhecimento. Presente e passado estão sempre condensados no imediato. É essa uma das grandes questões da humanidade, assim como a da suposta dualidade entre corpo e mente, tão humanamente expressa no nosso trajeto de envelhecimento.
Andrea Cachel, doutora em Filosofia e professora do Instituto Federal do Paraná, em Curitiba.



