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Uma história dentro de outra história. Assim parece a experiência educacional que colocou o Colégio Estadual João Gueno, de Colombo, em destaque no cenário das boas práticas de leitura. Ouvir os alunos participantes contarem o que aconteceu nos dois últimos anos é tão prazeroso quanto os livros que lhes caíram nas mãos, de A maldição da moleira a Diário de um banana – para citar dois.

“A caixa criou um suspense”, dizem, em coro – sobre duas caixas, precisamente: a que comportava os livros que saíram do “sepultamento”, na biblioteca da escola, rumo à sala de aula (essa mobilidade era parte da estratégia das pesquisadoras da UFPR); e a caixa de livros enviada pela escritora Índigo, quando seus laços com os alunos – via internet – tinham se tornado sólidos.

Na saga contata pelos alunos – duas peripécias se destacam. Ao ouvirem, aula a aula, a professora Érica Rodrigues ler os capítulos escritos por Índigo, formou-se uma rede em torno dos enredos. Os ouvintes se perguntavam como deveria ser a cara desse ou daquele personagem, qual seria o desdobramento da trama. “A imaginação correu solta”, resume a professora Érica. Some-se ao movimento criado pela leitura, o ápice da “história” – a visita de Índigo, em setembro de 2014; e seu retorno em abril de 2015. “Mexeu com a estima deles. Um escritor, no bairro São Dimas, parecia impossível”, reforça Érica.

Pois era verdade – e os alunos, adolescentes na faixa dos 13-14 anos – não deixam escapar uma cena. O “João Gueno” foi preparado para a visita. Cada salgadinho e brigadeiro servido à visitante entra nessa contação com requintes de fábulas encantadas. “Incrível” e “super-humilde” são alguns dos adjetivos reservados à autora paulista. Detalhe. Se falam bem do episódio que quebrou a rotina do colégio, falam ainda melhor de suas vidas de leitores, hoje, ali, um assunto na crista, tanto quanto o futebol e os namoricos.

Não há um estudo socioeconômico do bairro São Dimas, endereço de 15 mil habitantes. No senso comum, essa periferia de região metropolitana é formada por casais jovens adultos e adultos, que atuam no setor de serviços. São balconistas, motoristas, serventes... Nas vilas – carentes de asfalto e de segurança pública – constroem a casa própria, apostando que no futuro serão tão urbanizados quanto as demais áreas. Os pais dos 500 alunos do “João Gueno”, portanto, vivem para o trabalho, acreditam na escola, mas tendem a ter uma relação ligeira com o saber elaborado.

Dentre os participantes do projeto – que conversaram com a reportagem – nenhum veio de lares em que a leitura ocupa o centro da cena. O percurso tem sido o contrário. São os adolescentes que estão levando para casa o valor da leitura, com a vantagem de que o fazem com o entusiasmo de quem mereceu um prêmio dos Ministérios da Educação e da Cultura. É festa.

“E pensar que eu comecei lendo o gibi da Mônica. Livro eu escolhia pelo título”, diz Daniele Rodolph da Silva, 14 anos, aluna da 8.ª série. Eduardo Taborda, 13, também da “oitava”, não cita gibis, mas a Bíblia, numa versão para crianças. Um dia, encontrou em casa Quem mexeu no meu queijo?, o best seller de Spencer Johnson. “Logo vi que não tinha nada a ver com o que eu pensava”. Desde então, ler é prática de todo dia. Eduardo persegue surpresas.

O garoto é eloquente ao lembrar os “dias de Índigo” no Colégio Estadual João Gueno. “Marcou para sempre”, diz – mais do que o queijo de Spencer. No que é apoiado por Brenda Cordeiro, 14, e por Isaac Mercúrio, 14 – um dos muitos estudantes que se dedicam ao skate lá pelas bandas do São Dimas. Tinha um percurso antes de Índigo. Por insistência da mãe, leu alguns volumes da mítica Coleção Vagalume. E se encantou – a exemplo de milhares – com o eterno O menino do dedo verde, de Maurice Druon. Até que...

A conversa desses jovens leitores segue o clima “antes e depois”, com a maior naturalidade. Algo mudou – para melhor. O prazer com que falam das letras o comprova. Rafael Milo, 13, bem lembra. Sua vida com as letras passava por Paulo Coelho e pela saga Percy Jackson – mas nada que tivesse mexido tanto com ele. Seu encontro com Índigo mostrou que ler por ler não é crime nenhum, mas que ler junto e falar sobre livros com os amigos é a melhor das pedidas. Se lhes contassem dois anos atrás que tudo isso iria acontecer, talvez não acreditassem. (JCF)

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