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Quando alguém fala da cidade de Antonina, logo surgem lembranças sobre o Festival de Inverno, a festa da Padroeira e as famosas balas de banana. Nada disso se compara a importância da cidade no começo do século XX, quando seu porto foi considerado o quarto maior do país. Com a conclusão da Estrada da Graciosa e do terminal ferroviário, ambos ligando Antonina a Curitiba, gerou-se um forte impulso progressista, intensificado pelos ciclos da madeira, café e erva-mate. As mudanças na economia após a Segunda Guerra Mundial e o fim do ciclo da erva-mate, determinaram o declínio da cidade e das atividades do porto. A derrocada culminou nos anos 70 com a paralisação da indústria Matarazzo, importante geradora de negócios e empregos.

A partir dos anos 80, Antonina entra em decadência e se transforma numa sombra da cidade vizinha Morretes, que acabou virando referência da Estrada da Graciosa e do barreado. Depois de muito tempo abandonada, Antonina busca agora seu perfil de cidade turística, berço de manifestações folclóricas e culturais, integrando seu potencial à sua vocação portuária. O porto foi reativado, a velha estação ferroviária restaurada e projetos interessantes tendem a movimentar o turismo na região. Um deles é a linha de barco Antonina – Paranaguá, prevista para inaugurar em novembro, que será voltada para turistas e comunidades conhecerem um pouco mais das belezas do Lagamar.

Fundada por portugueses em 1714, Antonina é um lugar bucólico, com jeito de passado, embora bastante visitada pelas alternativas ecoturísticas e eventos culturais de que tem sido sede. Em julho a cidade se transforma para receber o Festival de Inverno, reunindo oficinas, artistas e aficionados de todo o país. Destaca-se também o tradicional carnaval de rua, que é considerado o mais animado do Estado. Para os amantes da natureza e esportes de aventura, Antonina oferece boas opções como o rafting no Rio Cachoeira e o trekking até o Pico Paraná, o mais alto da região Sul com 1877 metros.

Mas é dentro do contexto histórico cultural que Antonina guarda seu grande segredo, muito além de casarios coloniais ou ruas de paralelepípedos. Para descobrir esse tesouro ainda inexplorado é necessário voltar no tempo, bem antes dos colonizadores brancos chegarem à região. Viajando pela baía de Antonina, nas suas águas cheias de histórias, encontra-se um dos maiores e mais bem conservados sambaquis do Paraná. Localizados na Ilha do Corisco, o local possui fundamental importância para o surgimento da cidade de Antonina. "A Ilha do Corisco fica em frente ao Recanto do Cabral, no bairro da Graciosa de Baixo. É o único lugar seguro para atraque de barcos e canoas, pois não sofre tanto com a variação da maré e dos ventos. Não é a toa que foi o primeiro ponto do continente pisado pelo homem branco em Antonina", conta o secretário municipal de Turismo, Eduardo Nascimento. Para atingir o Recanto do Cabral, os colonizadores se instalaram inicialmente na Ilha do Corisco, infestada de índios Carijós. Foram esses índios que deixaram um grande trecho de mangue forrado de sambaquis, provando ser os primeiros e legítimos habitantes de Antonina.

A palavra sambaquis significa monte de conchas, que foram acumuladas por muitos anos resultado das atividades diárias dos antigos habitantes. O Homem - Sambaqui é o termo usado para identificação do grupo humano que tinha o costume de depositar restos usados de seu dia-a-dia em um único lugar. Alimentavam-se de peixes, moluscos e crustáceos, portanto sua sobrevivência dependia basicamente de alimentos apanhados no estuário. Nos montes de sambaquis são encontrados restos de sepultamento, ossos de animais, utensílios de pedra lascada e adornos. "Na década de 50, um grupo de arqueólogos franceses fez escavações na Ilha do Corisco. Estima-se que o Homem – Sambaqui ocupou a região entre 6.000 anos a.C. até 1.000 anos de nossa era, um verdadeiro marco pré-histórico", explica o arqueólogo Igor Chmyz, pesquisador do CEPA/ UFPR.

Infelizmente, a maioria dos sambaquis que existiam na região do Lagamar não foi conservados e protegidos, sendo transformados em fertilizantes e material para a construção dos antigos casarios. Mas na Ilha do Corisco, a quantidade abundante do casqueiro surpreendeu a todos da Expedição. Ostras gigantes combinadas com outros tipos de conchas formavam imagens vivas e curiosas. A energia acumulada no terreno causava excitação e deslumbramento. O estilo de vida milenar era assimilado na mente de todos, numa tentativa de compreender sua verdadeira origem. O ambiente representava um raro museu a céu aberto.

Essa exuberância por muito pouco esteve prestes a acabar. Algumas décadas atrás a região da Ilha do Corisco era apossada por André Lundenghausen Wolf, chamado de Barão pelos antoninenses. "O Barão era muito amigo de um ex-governador do Estado. Juntos eles tinham um projeto de abrir um canal dividindo a ilha, com a finalidade de construir um condomínio náutico de luxo", revela o engenheiro Hiram Fonseca de Lima, aficionado pela história de Antonina. "A idéia era construir uma ponte pênsil ligando o Recanto do Cabral até a ilhota que fica em frente, e uma outra ponte até a Ilha do Corisco", conta Hiram. Contornando a ilhota de barco, observa-se um muro de pedras que seria usado como base para a ponte projetada. Com a morte do Barão, a posse da Ilha do Corisco ficou indefinida e a extravagante obra foi abandonada.

Diante da fragilidade e importância do local, é confortável saber que o turismo ainda não atingiu a Ilha do Corisco. "Falta uma linha de barco fixa para que os turistas interessados possam observar os sambaquis", conta o secretário Eduardo Nascimento. Antes de qualquer ação turística, fica explícita a preocupação de todos em manter o lugar preservado e integrado ao ecoturismo sustentável. Um bom começo seria proibir qualquer pessoa de entrar na ilha. Pescadores acampam e fazem fogueiras ao lado dos sambaquis, ameaçando queimar um material de milhares de anos. Além da importância dos sambaquis para o conhecimento do período pré-colonial da América, eles oferecem dados para interpretação e cronologia de vários aspectos da costa brasileira, como a fauna e flora original. Sem os sambaquis preservados, Antonina não terá sua memória resgatada.

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