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Veja as capas das constituições brasileiras e as datas da publicação |
Veja as capas das constituições brasileiras e as datas da publicação| Foto:

Absurdos

Veja algumas leis ordinárias que figuraram em constituições brasileiras:

- Fixação de datas comemorativas de grande significado para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

- Limitação da taxa de juros em 12%.

- Relação entre pais e filhos, tratando de cuidados e educação.

- Definição sobre transporte coletivo gratuito para maiores de 65 anos.

- Constatação de que a língua portuguesa é a oficial do Brasil.

- Isenção de jornalistas, professores e escritores de pagarem Imposto de Renda.

- Determinação de que o Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, seja mantido na órbita federal.

  • Serviço: o livro A história das constituições brasileiras: 200 anos de luta contra o arbítrio, do historiador Marco Antonio Villa, é da editora Leya, tem 160 páginas e preço sugerido de R$ 34,90

A Constituição é um compêndio de leis que estão acima de todas as outras normas de um país, por isso mesmo deveria ser enxuta, objetiva e permanente, traçando os princípios básicos de um Estado sem deixar brechas. A norte-americana, por exemplo, é de 1787 e teve, ao longo de sua história, apenas 27 emendas, das quais dez foram sobre a declaração de direitos. Já no Brasil, existiram nada menos do que sete constituições e todas elas foram bastante modificadas. Para se ter uma ideia, apenas a última Cons­tituição brasileira, de 1988, recebeu 67 emendas e teve alguns artigos alterados mais de três vezes. "A prolixidade é uma doença de nossas constituições. O problema é querer dissertar sobre o mundo: se fala de tudo e de nada", afirma o historiador Marco Antonio Villa, que acaba de lançar o livro A história das constituições brasileiras: 200 anos de luta contra o arbítrio, pela Editora Leya.

Em um documento que deveria zelar por todos os brasileiros, já figuraram citações pessoais "absurdas", segundo Villa. Na primeira Constituição republicana, de 1891, Benjamin Constant aparece em um artigo que determina que a casa dele (Constant já tinha morrido) iria virar museu, mas que, enquanto a viúva estivesse viva, ela poderia morar lá. "Não se faz isso em uma Cons­tituição. Existem leis menores que podem dar conta disso: é inaceitável", comenta o historiador.

E os absurdos não param por aí. Na Constituição de 1934, se fala em um monumento a ser construído para o Duque de Caxias e até sobre renovação de aluguel; a de 1946 resolve promover o coronel Mascarenhas de Moraes e a de 1988 diz que é necessário proteger o desporto de criação nacional. "O que é isso? Futebol, vôlei e basquete não são. Será que é o futevôlei?", questiona. "Nossas constituições viraram política de governo e, por isso, misturamos o grotesco à questões constitucionais."

As constituições brasileiras estiveram muitas vezes deslocadas do Brasil real, segundo Villa, porque ignoraram, inclusive, a escravidão em um país escravocrata. Pior ainda é observar que em pleno Estado Novo (golpe de Estado) a Constituição de 1937 termina dizendo que ela só entraria em vigência após um plebiscito, que nunca existiu. "Temos uma esquizofrenia constitucional que começa desde a primeira Constituição (1824), quando dom Pedro I fechou a Constituinte de 1823 – porque ela estava limitando o poder do imperador – e ele acaba dizendo, no texto legal, que fez isso por amor à liberdade. Não se fecha uma Constituinte por amor à liberdade, se não para um golpe de Estado", explica Villa.

Legalizações

Durante o regime militar, os militares usaram a Constituição para legalizar tudo e, inclusive, para permitir decretos secretos os quais até hoje não se sabe sobre seu real conteúdo. A primeira Constituição do Brasil teve nada menos do que 11 artigos para tratar da família real e sua dotação e apenas 14 artigos para o Judi­ciário. "Nunca tinha visto uma reclamação constitucional dentro de um artigo da Constituição, mas o imperador faz justamente isso", comenta Villa. Dom Pedro I diz que "a dotação assinada ao presente imperador e a sua au­­gusta esposa deverá ser aumentada visto que as circunstâncias atuais não permitem que se fixe desde já uma soma adequada ao decoro de suas augustas pessoas e a dignidade da nação." É literalmente uma reclamação salarial dentro da primeira Constituição brasileira.

Lei não prevê atuação de vice

No Brasil se adotou como praxe algo que não é resguardado por nenhuma Constituição ou lei complementar, mas que é aceito por todos. Quando o presidente da República viaja, o poder é transferido para o vice. Isso não está na Constituição e, o que é pior, não há respaldo legal/jurídico para esta prática. A única questão que existe é que, se o presidente se ausenta do seu país por mais de 15 dias, ele deve pedir autorização ao Congresso Nacional. Mas não há nada que discorra sobre essa transferência de poderes.

"Isto começou nos anos 50 com o então presidente Jus­celino Kubitschek, quando ele viajou e deixou o poder ao vice João Goulart. Depois, Jango assumiu a Presidência e, quando também saiu do país, transferiu o poder à Câmara porque não tinha um vice. Trata-se de uma tradição informal", afirma o historiador Marco Antonio Villa. O que aconteceu em decorrência desta praxe é uma situação esquisita: temos até hoje um presidente assinando decretos como presidente em exercício e outro fora do país assinando acordos e tratados. "Somos um país tão exótico que ninguém fala nada. Mas isso não deveria ser tratado com naturalidade", diz Villa.

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