
Considerada a instituição para idosos mais antiga do Paraná, o Asilo São Vicente de Paulo completa 85 anos em 30 de outubro. Situado em uma área verde e livre do barulho das ruas, no bairro Juvevê, em Curitiba, a palavra que carrega no nome asilo, que geralmente remete a um ambiente triste, de "depósito" de velhos chega a destoar diante da alegria presente no local colorido, acessível e que preza pela qualidade de vida de suas moradoras.No decorrer de quase nove décadas, desde que o ex-governador Caetano Munhoz da Rocha cortou a faixa de inauguração, em 1926 evento que foi manchete da Gazeta do Povo no dia 1.º de novembro daquele ano, o asilo tem acompanhado as transformações de uma sociedade em que, antes, se morria em média com 50 anos e, hoje, pode-se viver até os 100. Antigamente era um local fechado onde se praticava o assistencialismo; hoje, é exemplo de iniciativa bem sucedida de asilamento da população idosa.
* * * * *
Mendicância
Na época em que foi criado, o espaço tinha múltipla finalidade: era para lá que iam as crianças rejeitadas, vítimas de violência e infratoras; pessoas com deficiência, excluídas da família; e idosos pobres, de ambos os sexos, arriscados a viver da mendicância. Embora uma lei estadual (3.005/1922) tivesse determinado a construção do asilo, a presença do Estado como gestor e provedor da assistência social era ínfima. Coube à Igreja, tradicionalmente ligada à causa, assumir a direção da instituição, através da Congregação das Irmãs Passionistas, que ficaram à frente do asilo até 2004.
Ao lado do asilo funcionava também a Escola de Reforma para moças e o Recanto de Menores para ambos os sexos. A postura rígida das religiosas e o senso comum de que o asilo abrigava pessoas que não se ajustavam ao que era considerado saudável ou normal não permitia muita interação entre os públicos, assim como visitas da comunidade. Em 1967, uma reestruturação transferiu os homens idosos para o Recanto do Tarumã e, em 1969, as meninas da Escola de Reforma também deixaram o prédio, que passou a atender apenas senhoras com mais de 60 anos e alguns casos de mulheres com deficiência.
Foi nessa época que chegaram, levadas pela polícia ou pelo Conselho Tutelar, duas das moradoras com mais "tempo de casa", Cleide Moraes, 66 anos, há 50 anos na instituição, e Maria Laurinda Soares, 53 anos, moradora há 39. Deficiente física desde o nascimento, Cleide começou a apanhar do pai após a morte da mãe e foi transferida de Pato Branco, no Sudoeste do estado, para a capital, quando chegou ao São Vicente de Paulo. Mesmo com dificuldades de fala, os olhos inquietos acompanharam várias das transformações contadas hoje nas páginas de livros e jornais.
"Quando eu cheguei, havia uma menina de 9 anos e um menino de 3. Era com eles que eu brincava e dormia. Também tinha os homens, que depois foram embora. Muita gente morreu, e eu fiquei. Ainda bem que vim parar aqui. Eles [os funcionários] são muito bons", diz ela, que é chamada de "Xerife" pelas cuidadoras do Lar São José, uma das três alas do espaço, onde ficam as idosas com dificuldade de locomoção ou problemas mentais severos.
Já Laurinda, séria e compenetrada, encontrou no asilo a saída para os maus-tratos sofridos nas mãos do padrasto e da madrasta, que a obrigavam a trabalhar na roça em Cidade Gaúcha, no Noroeste do Paraná. "A vida não foi fácil, mas eu nunca reclamei. Fico na minha e vou vivendo."
Histórias repetidas
Casos como o de Cleide e Laurinda, que existem aos montes por ali, se confundem com as histórias de omissão e de maus-tratos cometidos contra crianças e adolescentes, em especial, meninas. Se um dia fossem catalogadas todas as histórias de vida de quem está no asilo há pelo menos 30 anos, o ouvinte descobriria que a maioria possui uma história semelhante. E que o asilo as livrou da mendicância, da prostituição, da pobreza extrema e da violência das ruas.
Como conta o superintendente do asilo, padre José Aparecido Pinto, a maioria nasceu em famílias simples do interior do estado e veio para a capital pelas mãos de pessoas ricas e influentes da época, que prometiam casa e estudo aos pais das meninas, que não se deparavam com essa situação ao chegar a Curitiba. "Viravam empregadas sem salário ou qualquer benefício e, quando os patrões não precisavam mais do serviço, eram dispensadas e não tinham aonde ir. Foi assim que muitas chegaram aqui."
Centro Dia é referência de atendimento
Uma atitude de vanguarda adotada pelo Asilo São Vicente de Paulo, elogiada inclusive pelo Ministério Público do Paraná, foi a criação, em 2005, do Centro Dia da instituição, uma modalidade de atendimento onde o idoso mora com a família e passa o dia no asilo, sob a supervisão de profissionais especializados na terceira idade. O objetivo da iniciativa, que ainda é novidade no país, é evitar o asilamento (cujo termo correto, adotado por especialistas, é de institucionalização) precoce de um idoso que ainda é independente ou semi-independente e promover sua integração com pessoas de sua idade.
De acordo com a coordenadora do Centro Dia, Cláudia Hernandes, psicóloga com especialização em gerontologia, a institucionalização deve ser uma opção apenas nos casos em que o idoso é totalmente dependente e a família não tem condições de assisti-lo em casa. Para especialistas, o idoso independente é aquele que realiza atividades básicas (como comer, lavar-se e vestir-se) sozinho, e também tem autonomia (cuida das finanças, e toma decisões sozinho); o semi independente não possui autonomia, mas consegue realizar atividades rotineiras sozinho; já o dependente não tem condições de fazer ambas as coisas.
A criação dos Centro-Dia está prevista na Lei 8.842, de 1994, e no Estatuto do Idoso, de 2004 e prioriza o papel da família como cuidadora e tutora de seus membros mais velhos, ao invés de responsabilizar apenas o Estado, ONGs ou asilos. "No centro, fazemos reuniões trimestrais com todas as famílias e, sempre que surge um problema particular com cada idoso, também conversamos com os parentes. Eles nos trazem os problemas e nós tentamos achar uma solução, todos juntos", diz Cláudia, há 4 anos à frente do Centro.
Atualmente, 22 idosos frequentam o espaço, que funciona dentro do asilo, mas há vagas para 25. Entre as atividades, há contação de história, oficinas da memória, musicoterapia, passeios no jardim e até oficinas de beleza, onde a higiene é levada a sério. O serviço é pago, mas há cotas para famílias carentes, que podem ser encaminhadas ao Centro através dos Creas (Centro de Referência Especializados de Assistência Social), ligados à Fundação de Assistência Social (FAS) do município.



