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Cleide Moraes (no centro) e Maria Laurinda (à direita) estão entre as moradoras mais antigas do Asilo São Vicente de Paulo | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
Cleide Moraes (no centro) e Maria Laurinda (à direita) estão entre as moradoras mais antigas do Asilo São Vicente de Paulo| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

Visitas

Abertura trouxe denúncias e melhorias

De 1926 a 2004, o acesso ao Asilo São Vicente de Paulo era restrito e as visitas, que hoje ocorrem livremente pelo espaço, eram mais raras. Após a saída das Irmãs Passionistas do controle da instituição, em 2004, que passaram a se dedicar apenas à educação, assumiu a Fundação Itaqui. Dois anos depois, o comando foi assumido pelo padre José Aparecido. Em 2004 também foi aprovado o Estatuto do Idoso, que propunha uma nova forma de ver os asilos, que passam a ser chamados de Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI).

Com o intuito de afastar o mal- estar gerado pelo termo, o nome chegou a mudar para Centro de Integração do Idoso São Vicente de Paulo, mas, pouco depois, voltou-se atrás. "Entendemos que não adiantava mudar o nome, que era conhecido, e continuar igual. O importante era mudar a mentalidade, mas manter o nome, que é um patrimônio", diz o diretor do asilo, Edison Tadeo de Oliveira, um ex-funcionário da Copel que usou a formação em recursos humanos para dar um choque de gestão na instituição, a convite do padre José Aparecido.

Denúncias

Com visitas mais livres, surgiram problemas. Após 2004, uma série de denúncias começou a surgir, levando o Ministério Público a apertar o cerco sobre o asilo, assim como os bombeiros e a Vigilância Sanitária. Para Tadeo, as denúncias foram fruto da transparência adotada a partir daquele período. "As pessoas vinham para cá e escutavam o idoso reclamar que não havia comido, mas era um idoso com Alzheimer, que se esquecia que já tinha sido alimentado, por exemplo. Outras denúncias, que visavam à melhoria, foram muito importantes para nos ajudar a avançar."

Hoje, o asilo mantém contato constante com o MP, criou uma modalidade alternativa ao asilamento – o chamado centro-dia – e tem aberto o espaço para voluntários, por meio de parcerias com universidades e com o Centro de Ação Voluntária, que oferece os cursos obrigatórios para quem quer ceder um pouco do tempo às moradoras. Mantém uma equipe de 130 funcionários, quase um para cada uma das 150 moradoras, além de uma padaria própria e até um setor de compras responsável pelas licitações. "É como administrar uma cidade formada por pessoas muito especiais", diz o padre José Aparecido.

Desafios

Pagamento de contas depende de ajuda

O tratamento recebido pelas 150 moradoras atuais do Asilo São Vicente de Paulo é um privilégio perto da realidade vivida por outras instituições no país, mas manter-se sustentável também é um desafio. Hoje, conforme o diretor Edison Tadeo de Oliveira, 60% da verba vem do poder público e o restante, de doações e campanhas. Contudo, a cada mês é preciso realizar uma maratona para não fechar no vermelho.

"Às vezes, é preciso pedir ajuda e fazer empréstimos para pagar os 130 funcionários em dia. Todos os dias ocorre algum problema. O prédio é muito antigo e é custoso manter essa estrutura", diz. Como cerca de 80% dos moradores foram abandonados pela família, não é possível pedir ajuda a parentes. Entre os aposentados, a maioria ganha um salário mínimo e 70% desse total são destinados à conta do asilo. Assim, a ajuda da comunidade é fundamental.

Estrutura

Outra preocupação é se adequar às exigências dos bombeiros, que determinam uma série de adaptações no prédio antigo para dar mais segurança às moradoras. As modificações vão desde aumentar a largura das escadas e adaptar corrimãos até a troca de extintores e mangueiras de controle de incêndio.

Curiosidades

Confira alguns detalhes a respeito do Asilo São Vicente de Paulo:

- O asilo nasceu para suprir a demanda por vagas para mendigos e deficientes físicos e mentais. O primeiro espaço desses moldes, o Hospício Nossa Senhora da Luz, criado em 1909, já estava saturado.

- O prédio do asilo, localizado no bairro Juvevê, foi doado ao governo do estado pela prefeitura de Curitiba.

- O projeto arquitetônico foi concluído em fevereiro de 1924 e as obras começaram em agosto do mesmo ano.

- Os primeiros internos foram 14 homens, 16 mulheres e 12 meninas. Em 1927, o número de asilados chegou a 109 e, em 1967, a 826 pessoas.

- O asilo teve vários nomes: Centro de Mendicância, Asylo de Mendicidade, Asilo São Vicente de Paulo e Centro de Integração do Idoso São Vicente de Paulo.

- Uma das dirigentes do asilo, madre Antonieta Farani, da Congregação das Irmãs Passionistas, foi considerada Venerável pelo Vaticano, que é um passo antes da beatificação.

- Em 2009, o asilo recebeu em suas dependências a Casa Cor Paraná, maior evento de arquitetura, design, decoração e paisagismo do estado. Como contrapartida, o evento custeou obras de reforma dos pisos e das partes hidráulica e elétrica da casa.

- O asilo possui um cardápio para cada dia da semana, além de padaria própria e lanchonete.

- Para ser voluntário no asilo é preciso realizar um curso no Centro de Ação Voluntária (CAV), de acordo com a área de atuação.

- Algumas moradoras que fazem parte do coral do asilo já chegaram a gravar um CD, concluído no Natal de 2009, intitulado "As Marias do Tempo".

Considerada a instituição para idosos mais antiga do Paraná, o Asilo São Vicente de Paulo completa 85 anos em 30 de outubro. Situado em uma área verde e livre do barulho das ruas, no bairro Juvevê, em Curitiba, a palavra que carrega no nome – asilo, que geralmente remete a um ambiente triste, de "depósito" de velhos – chega a destoar diante da alegria presente no local colorido, acessível e que preza pela qualidade de vida de suas moradoras.No decorrer de quase nove décadas, desde que o ex-governador Caetano Munhoz da Rocha cortou a faixa de inauguração, em 1926 – evento que foi manchete da Gazeta do Povo no dia 1.º de novembro daquele ano–, o asilo tem acompanhado as transformações de uma sociedade em que, antes, se morria em média com 50 anos e, hoje, pode-se viver até os 100. Anti­­gamente era um local fechado onde se praticava o assistencialismo; hoje, é exemplo de iniciativa bem sucedida de asilamento da população idosa.

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Mendicância

Na época em que foi criado, o espaço tinha múltipla finalidade: era para lá que iam as crianças rejeitadas, vítimas de violência e infratoras; pessoas com deficiência, excluídas da família; e idosos pobres, de ambos os sexos, arriscados a viver da mendicância. Embora uma lei estadual (3.005/1922) ti­­vesse determinado a construção do asilo, a presença do Estado como gestor e provedor da assistência social era ínfima. Coube à Igreja, tradicionalmente ligada à causa, assumir a direção da instituição, através da Con­­gregação das Irmãs Pas­­sionistas, que ficaram à frente do asilo até 2004.

Ao lado do asilo funcionava também a Escola de Reforma para moças e o Recanto de Menores para ambos os sexos. A postura rígida das religiosas – e o senso comum de que o asilo abrigava pessoas que não se ajustavam ao que era considerado saudável ou normal – não permitia muita interação entre os públicos, assim como visitas da comunidade. Em 1967, uma reestruturação transferiu os homens idosos para o Recanto do Tarumã e, em 1969, as meninas da Escola de Reforma também deixaram o prédio, que passou a atender apenas senhoras com mais de 60 anos e alguns casos de mulheres com deficiência.

Foi nessa época que chegaram, levadas pela polícia ou pelo Conselho Tutelar, duas das moradoras com mais "tempo de casa", Cleide Moraes, 66 anos, há 50 anos na instituição, e Maria Laurinda Soares, 53 anos, moradora há 39. Deficiente física desde o nascimento, Cleide começou a apanhar do pai após a morte da mãe e foi transferida de Pato Branco, no Sudoeste do estado, para a capital, quando chegou ao São Vicente de Paulo. Mesmo com dificuldades de fala, os olhos inquietos acompanharam várias das transformações contadas hoje nas páginas de livros e jornais.

"Quando eu cheguei, havia uma menina de 9 anos e um menino de 3. Era com eles que eu brincava e dormia. Também tinha os homens, que depois foram embora. Muita gente morreu, e eu fiquei. Ainda bem que vim parar aqui. Eles [os funcionários] são muito bons", diz ela, que é chamada de "Xerife" pelas cuidadoras do Lar São José, uma das três alas do espaço, onde ficam as idosas com dificuldade de locomoção ou problemas mentais severos.

Já Laurinda, séria e compenetrada, encontrou no asilo a saída para os maus-tratos sofridos nas mãos do padrasto e da madrasta, que a obrigavam a trabalhar na roça em Cidade Gaúcha, no Noroeste do Paraná. "A vida não foi fácil, mas eu nunca reclamei. Fico na minha e vou vivendo."

Histórias repetidas

Casos como o de Cleide e Laurinda, que existem aos montes por ali, se confundem com as histórias de omissão e de maus-tratos cometidos contra crianças e adolescentes, em especial, meninas. Se um dia fossem catalogadas todas as histórias de vida de quem está no asilo há pelo menos 30 anos, o ouvinte descobriria que a maioria possui uma história semelhante. E que o asilo as livrou da mendicância, da prostituição, da pobreza extrema e da violência das ruas.

Como conta o superintendente do asilo, padre José Aparecido Pinto, a maioria nasceu em famílias simples do interior do estado e veio para a capital pelas mãos de pessoas ricas e influentes da época, que prometiam casa e estudo aos pais das meninas, que não se deparavam com essa situação ao chegar a Curitiba. "Viravam empregadas sem salário ou qualquer benefício e, quando os patrões não precisavam mais do serviço, eram dispensadas e não tinham aonde ir. Foi assim que muitas chegaram aqui."

Centro Dia é referência de atendimento

Uma atitude de vanguarda adotada pelo Asilo São Vicente de Paulo, elogiada inclusive pelo Ministério Público do Paraná, foi a criação, em 2005, do Centro Dia da instituição, uma modalidade de atendimento onde o idoso mora com a família e passa o dia no asilo, sob a supervisão de profissionais especializados na terceira idade. O objetivo da iniciativa, que ainda é novidade no país, é evitar o asilamento (cujo termo correto, adotado por especialistas, é de institucionalização) precoce de um idoso que ainda é independente ou semi-independente e promover sua integração com pessoas de sua idade.

De acordo com a coordenadora do Centro Dia, Cláudia Hernandes, psicóloga com especialização em gerontologia, a institucionalização deve ser uma opção apenas nos casos em que o idoso é totalmente dependente e a família não tem condições de assisti-lo em casa. Para especialistas, o idoso independente é aquele que realiza atividades básicas (como comer, lavar-se e vestir-se) sozinho, e também tem autonomia (cuida das finanças, e toma decisões sozinho); o semi independente não possui autonomia, mas consegue realizar atividades rotineiras sozinho; já o dependente não tem condições de fazer ambas as coisas.

A criação dos Centro-Dia está prevista na Lei 8.842, de 1994, e no Estatuto do Idoso, de 2004 e prioriza o papel da família como cuidadora e tutora de seus membros mais velhos, ao invés de responsabilizar apenas o Estado, ONGs ou asilos. "No centro, fazemos reuniões trimestrais com todas as famílias e, sempre que surge um problema particular com cada idoso, também conversamos com os parentes. Eles nos trazem os problemas e nós tentamos achar uma solução, todos juntos", diz Cláudia, há 4 anos à frente do Centro.

Atualmente, 22 idosos frequentam o espaço, que funciona dentro do asilo, mas há vagas para 25. Entre as atividades, há contação de história, oficinas da memória, musicoterapia, passeios no jardim e até oficinas de beleza, onde a higiene é levada a sério. O serviço é pago, mas há cotas para famílias carentes, que podem ser encaminhadas ao Centro através dos Creas (Centro de Referência Especializados de Assistência Social), ligados à Fundação de Assistência Social (FAS) do município.

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