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Exército recolhe marfins retirados ilegalmente de elefantes do Congo: especialistas veem “profissiona­lização” de criminosos | Tyler Hicks/The New York Times
Exército recolhe marfins retirados ilegalmente de elefantes do Congo: especialistas veem “profissiona­lização” de criminosos| Foto: Tyler Hicks/The New York Times

Destino

O marfim pode ser a nova esperança de Kony

"Kony quer marfim", disse uma jovem raptada no começo deste ano próximo a Garamba e que não quis ser identificada por ainda estar apavorada. "Eu ouvi os outros rebeldes muitas vezes falando: ‘Precisamos arranjar marfim para mandar para o Kony’".

Vários comerciantes sudaneses de marfim disseram que o marfim do Congo e da República da África Central passou, por terra, pela vasta região deserta de Darfur, no oeste do Sudão, para Omdurman, sempre com o auxílio de oficiais sudaneses corruptos. Há uma prática bem conhecida no Sudão chamada "comprar tempo", em que os contrabandistas pagam aos policiais e guardas das fronteiras por uma quantidade determinada de tempo para deixar um comboio de mercadorias ilegais passar pelos pontos de inspeção.

Mas há muitas rotas. Na costa leste da África, a cidade portuária de Mombasa, no Quênia, é um grande centro de transporte. Uma porcentagem relativamente pequena de contêineres é inspecionada em Mombasa, e o marfim é escondido em despachos de todos os tipos de itens, de abacates a anchovas.

Na costa oeste, no Golfo da Guiné, "há um fenômeno relativamente recente de caçadores sofisticados e bem armados que descarregam seu marfim em navios de pesca chineses", disse um oficial norte-americano veterano.

70% do marfim

comercializado ilegalmente, segundo especialistas, flui para a China, onde comprá-lo nunca foi tão fácil como hoje. O crescimento econômico chinês criou uma ampla classe média, que elevou o preço do marfim ao valor estratosférico de cerca de US$ 2 mil o quilo nas ruas de Beijing.

4 mil

Elefantes foram mortos em 2011, pelo menos, segundo estimativas de especialistas. Isso porque no ano passado 38,8 toneladas de presas ilegais foram apreendidas no mundo inteiro. O número é recorde desde 2002, quando monitores internacionais começaram a fazer registros detalhados. Dados de 2006 da União Internacional da Conservação da Natureza estimavam que a população de elefantes na África pode chegar a até 690 mil indivíduos.

Em seus 30 anos de luta contra caçadores ilegais, Paul Onyango jamais tinha visto algo parecido: 22 elefantes mortos, incluindo vários filhotes muito jovens, amontoados na savana aberta, cada um deles abatido por uma única bala no topo da cabeça.

Não havia rastros dos caçadores, nem sinais de que eles teriam perseguido seus alvos do solo. As presas foram arrancadas, porém a carne fora deixada intacta, um péssimo sinal: caçadores de subsistência quase sempre tiram um pouco da carne para si, para a caminhada de volta para casa.

Vários dias depois, no começo de abril, guardas do Parque Nacional Ga­ram­ba, no Congo, observaram um helicóptero militar de Uganda voando muito baixo sobre o parque, em um voo não autorizado, que se virou bruscamente após ter sido detectado. Oficiais do parque, cientistas e autoridades congolesas acreditam que o exército ugandês – um dos parceiros africanos mais próximos do Pentágono – atirou nos elefantes do helicóptero e fugiu com mais de US$ 1 milhão em marfim.

A África está no meio de uma matança épica de elefantes. Grupos de conservação dizem que os caçadores estão acabando com dezenas de milhares de elefantes por ano, mais do que era o costume nas últimas duas décadas, com o comércio ilegal de marfim tornando-se cada vez mais militarizado.

Como os diamantes de sangue da Serra Leoa ou os minerais pilhados do Congo, o marfim, pelo que parece, é o mais recente material de conflito na África, retirado de zonas de batalha remotas, fácil de ser convertido em dinheiro e alimentando agora conflitos em todo o continente.

Em troca de armas

Alguns dos grupos arma­dos mais notórios da África, incluindo o Exército de Re­sistência do Senhor, o al-Shabab e o Janjaweed de Darfur, estão caçando elefantes e usan­do as presas para comprar armas e manter seu poder. Sindicatos do crime organizado estão se filiando a eles para levar o marfim ao restante do mundo, explorando estados turbulentos, fronteiras porosas e oficiais corruptos de países da África subsaariana e da China, segundo afirmações de oficiais de polícia.

Mas não são apenas os criminosos que lucram. Mem­bros de alguns exércitos africanos que o governo norte-americano treina e apoia com milhões de dólares do contribuinte – como o exército de Uganda, o exército congolês e o exército do Sudão do Sul, que recentemente obteve sua independência – têm sido acusados de caçar elefantes e de contrabandear marfim.Muitas vezes, soldados congoleses são presos por isso. As forças sul-sudanesas enfrentam guardas-florestais com frequência. A Interpol, a rede de policiamento internacional, está agora ajudando a investigar a matança maciça de elefantes no Parque Garamba, tentando averiguar se o DNA retirado de amostras do crânio dos animais bate com o das presas apreendidas recentemente, em grande quantidade, no aeroporto de Uganda, registradas como "bens domésticos".

Para coibir caça, guardas atiram primeiro

O Parque Nacional Garamba é um grande e vistoso cobertor de vegetação, de quase 5 mil quilômetros quadrados, que se estende sobre o canto nordeste do Congo. Um mar de capim-elefante na altura do peito, redemoinhos de rios terrosos, tiras de papiros e, de vez em quando, um serpentário preto-e-branco descendo com elegância pelos céus pintados de rosa. Fundado em 1938, é um dos parques mais bonitos da África, e o sonho dos naturalistas.

Mas hoje ele é um campo de batalha, com uma corrida armamentista se desenvolvendo pela savana. Todas as manhãs, os 140 guardas florestais do parque se dividem em batalhões armados com fuzis, metralhadoras e granadas de propulsão a foguete.

Picapes armadas

Luis Arranz, o diretor do parque, quer arranjar veículos não tripulados para vigilância, e a organização com fins não lucrativos que administra o parque está considerando a ideia de comprar óculos de visão noturna, coletes antiestilhaço e picapes armadas com metralhadoras.

"Nós não negociamos, nós não damos aviso, nós atiramos primeiro", diz Paul Onyango, chefe dos guardas florestais, que tem uma carreira de 20 anos como diretor de caça no Quênia.

Tradução: Adriano Scandolara.

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