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"Deste norte pioneiro / Tu deténs a liderança / Teu destino altaneiro / É de amor, fé e esperança / Verde mar: teus cafezais!". Versos estes retirados do hino a Jacarezinho, cidade símbolo de uma região marcada pelo ciclo do café, tempo das grandes fazendas e da prosperidade econômica. O município faz parte do Norte Pioneiro, precursor da cafeicultura no Paraná e responsável indiretamente pela colonização do restante do interior, que transformou o estado num dos maiores produtores de café do mundo em 1962. No entanto, a tecnologia de cultivo tradicional, sustentada pela alta fertilidade natural do solo, acordos internacionais de preços e subsídios governamentais, foi perdendo suas bases de sustentação, tornando a cafeicultura ineficiente e pouco competitiva frente a outras atividades. O golpe de misericórdia aconteceu no ano de 1975, com a ocorrência de uma geada catastrófica dizimando boa parte dos cafezais. Isso obrigou a agricultura paranaense a entrar numa nova fase e substituir o café por outras culturas como soja, trigo e cana-de-açúcar.

"Não plantem café!", é o conselho enfático de Denise Pompéia Coutinho que, junto com o marido, cuida de quase 400 alqueires de café, distribuídos em várias fazendas pela região. "Café não dá lucro, já são 11 anos consecutivos de preço baixo. Esse ano, mesmo com a inundação dos estoques de café nos Estados Unidos provocado pelo furacão Katrina, o preço não subiu. Falam em livre comércio, mas na prática eles manipulam o preço que querem". Para o marido Leonardo, com 30 anos de experiência na cafeicultura, a resistência vem de outros rendimentos da fazenda. "Me sustento na agropecuária. Ainda não desisti do café porque temos um produto de alta qualidade para exportação e acredito que alguma hora a situação vai melhorar". Para os Coutinho, da época áurea do fruto sobrou apenas a sede da Fazenda Santa Maria, local de residência do casal. "Esta casa foi morada da Família Imperial entre 1951 a 1964. Dom Pedro Henrique tinha 12 filhos, por isso a fazenda foi construída com 12 quartos. Alguns nasceram em Jacarezinho, outros também estudaram no tradicional Colégio Cristo Rei. Segundo os moradores mais antigos da cidade, a família Orleans e Bragança viveu de maneira simples, sem luxo ou ostentação de riquezas", conta Leonardo.

Apesar das dificuldades enfrentadas pelos produtores de café, Jacarezinho sediou por muito tempo a fazenda cafeeira mais importante do Brasil. "Existem registros que na década de 30, a Fazenda Califórnia já fazia seleção de qualidade do café, mostrando a visão empresarial que o grupo norte-americano, dono das terras na época, tinha para exportação", conta o engenheiro agrônomo Luiz Roberto Saldanha Rodrigues, atual proprietário da fazenda. Nesse meio tempo, o lugar chegou a ser vendido para a família Ferroni, um dos maiores produtores da América Latina, possuindo mais de sete milhões de pés de café. "Junto com meu tio, compramos em 2003 parte da fazenda pensando também no marketing agregado ao valor histórico do local", explica Luiz Roberto. Atualmente a Fazenda Califórnia produz cafés diferenciados, usando tecnologia avançada no manejo e colheita da lavoura, em contraste ao uso de antigas máquinas separadoras e velhas tulhas de madeira para armazenamento do café. "Por enquanto estamos apenas produzindo e estocando. O mercado do café é a segunda maior commodity do planeta, só perde para o petróleo. Então a quantidade de especulador trabalhando na bolsa de valores é muito grande. Cobrimos os custos de produção arrendando parte das terras para o cultivo da cana-de-açúcar", revela o proprietário.

Com a decadência do ciclo do café, Jacarezinho vive agora das lembranças de um passado glorioso. No centro da cidade, funcionava até pouco tempo o luxuoso Hotel Municipal, representando toda a riqueza do apogeu do café. Além de incontáveis personagens políticos, o hotel foi pouso de celebridades como a baiana Marta Rocha, miss Brasil de 1954. Atualmente, o hotel encontra-se desativado, tendo seu espaço físico ocupado por algumas secretarias da prefeitura. Lá dentro, o requinte e glamour da decoração não existem mais, sobrando apenas alguns móveis velhos e quartos vazios. Uma tradição da época, que ainda se mantém apesar de não ter a mesma fama de antigamente, é o Baile do Texas. A festa popular mais tradicional da região chegou a ser conhecida em todo território nacional, tornando-se a marca registrada de Jacarezinho.

Diante de tantos resquícios deixados pelo ciclo do café, o maior legado daquele tempo para a sociedade de Jacarezinho foi a construção da Igreja Nossa Senhora Imaculada Conceição, a catedral da cidade. Entregue à comunidade em 1949, pelo então bispo dom Geraldo de Proença Sigaud, tem em seu interior pinturas e murais trabalhados por seu irmão, o artista Eugênio de Proença Sigaud. Conta o historiador Alfredo Moreira da Silva Júnior, que dom Geraldo pregava o catecismo anticomunista, chegando até a publicar um livro atacando o que ele se referia de legiões satânicas. "Em 1956, o bispo pediu a seu irmão que decorasse a Catedral Diocesana, fato de muita estranheza, já que o irmão era Eugênio Sigaud, maçom, comunista e ateu convicto, participante ativo da Semana de Arte Moderna de 1922 e conhecido no meio acadêmico como o pintor dos operários", revela Moreira em seu trabalho apresentado no V Simpósio de História das Religiões. Sigaud, além de ter pintado figuras do Velho Testamento, retratou na Igreja de Jacarezinho cenas do cotidiano popular, desde boêmios da cidade até grandes nomes do socialismo, como o próprio Lênin.

Com o fim do ciclo do café, resta para Jacarezinho resgatar e preservar seu patrimônio histórico-cultural, para que a população encontre sua origem de um passado tão importante. Cabem as famílias pioneiras reviver a rota do café em seu percurso ferroviário estabelecendo pontes de ligação entre seu passado e a memória viva de seu presente em verdadeiros memoriais do ouro verde. Café amargo, mas preservado e de inconfundível e irresistível aroma.

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