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Depois da repercussão do caso da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, presa há dois anos e com possibilidade de ser condenada a 14 anos por escrever, com batom, a frase “Perdeu, mané” na Estátua do STF durante os atos de 8 de janeiro de 2023, o ministro Alexandre de Moraes retirou o sigilo do caso.
A ordem foi expedida pela Secretaria Judiciária do STF nesta quarta-feira (26) e dá acesso a todos os documentos do processo, inclusive à carta de desculpas que a cabeleireira escreveu para o ministro em outubro de 2024.
Segue a íntegra da carta de Débora:
Excelentíssimo Ministro Dr. Alexandre de Moraes, que esta o encontre com saúde e paz.
Me chamo Débora e venho através desta carta me comunicar amistosamente com vossa Excelência. Não sei ao certo como dirigir as palavras a alguém de cargo tão importante, portanto peço que o Dr. desconsidere eventuais erros.
Sou uma mulher cristã, tenho 39 anos, trabalho desde os meus 14 anos de idade, sou esposa do Nilton e temos dois filhos, o Caio (10 anos) e o Rafael (8 anos) que são meu coração batendo fora do peito.
Excelência, para não tomar muito o seu tempo, vou direto ao ponto.
Sou uma cidadã comum e simples e sempre mantive minha conduta inabalada, jamais compactuei com atitudes violentas ou ilícitas.
Fui a Brasília, pois acreditava que aconteceria uma manifestação pacífica e sem transtornos, porém, aos poucos fui percebendo que o movimento foi ficando acalorado. Devo deixar claro que em momento algum eu adentrei em quaisquer Casas dos poderes, fiquei somente na Praça dos 3 Poderes, encantada com as construções tão gigantescas e bem arquitetadas. Sinceramente, fiquei muito chateada com o “quebra quebra” nas instituições.
Repudio o vandalismo, contudo eu estava ali porque eu queria ser ouvida, queria maiores explicações sobre o resultado das eleições tão conturbadas de 2022.

Por isso, no calor do momento cheguei a cometer aquele ato tão desprezível (pichar a estátua).
Posso assegurar que não foi nada premeditado, foi no calor do momento e sem raciocinar.
Quando eu estava próxima à estátua, um homem pelo qual eu jamais vi, começou a escrever a frase e pediu para que eu a terminasse, pois sua letra era ilegível. Talvez tenha me faltado malícia para rejeitar o “convite”, o que não justifica minha atitude, me arrependo deste ato amargamente, pois causou separação entre eu e meus filhinhos.
Nesse período de um ano e sete meses [na época da carta] de reclusão eu perdi muito mais do que a minha liberdade, perdi a chance de ajudar o Rafinha na alfabetização, não o vi fazer a troca dos dentinhos de leite, perdi dois anos letivos dos meus filhos e momentos que nunca mais voltarão.
Meus filhos estão sofrendo muito, choram todos os dias por minha ausência, passam por psicólogos afim de ajudá-los a organizar os sentimentos dessa situação. Um castigo e uma culpa que vou lamentar enquanto eu viver.
Excelentíssimo Ministro Dr. Alexandre de Moraes, meu conhecimento em política é raso ou nenhum, não sabia da importância daquela estátua, nem que ela representa a instituição do STF, tampouco sabia que seu valor é de dois milhões de reais. Se eu soubesse, jamais teria a audácia de sequer encostar nela, minha intenção não era ferir o Estado Democrático de Direito, pois sei que o mesmo consiste na base de uma nação.
Portanto, venho pedir perdão por este ato que até hoje me causa vergonha e consequências irreparáveis.

Sei que não deveria, mas hoje tenho aversão à política, e quero ficar o mais distante possível disso tudo.
Entendi que quando somos tomados pelo entusiasmo e a cólera podemos praticar atitudes que não contribuem em nada. O que eu fiz não me representa e nem transmite a mensagem que eu sonhei em tecer para os meus filhos.
O que mais almejo é ter minha vida pacata e simples de volta e ao lado da minha família.

Termino essa carta na esperança de que essa demonstração sincera do meu arrependimento possa ser levada em consideração por vossa Excelência.
Deus o abençoe!
Débora Rodrigues dos Santos
Defesa aponta preocupação com declaração de Fux de que o STF “julgou sob violenta emoção"
Os advogados de defesa de Débora Rodrigues, Hélio Junior e Taniélli Telles, divulgaram uma nota de preocupação após o julgamento desta terça-feira, em que os ministros aceitaram a denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete acusados de tentativa de golpe de Estado. Durante a sessão, o ministro Luiz Fux afirmou que, em alguns julgamentos de acusados de envolvimento nos atos do 8 de janeiro, ele admite que a pena foi exacerbada, como no caso de Débora.
“Nós julgamos sob violenta emoção após a verificação da tragédia do 8 de janeiro. Eu fui ao meu ex-gabinete e vi mesa queimada, papeis queimados. Mas eu acho que os juízes na sua vida tem sempre que refletir dos erros e dos acertos, até porque os erros autenticam a nossa humanidade”, afirmou Fux.
Os advogados apontam que essa declaração é a confissão de que houve a violação do que está previsto na Constituição Federal, de que todo julgamento deve ser conduzido de forma imparcial, isenta e dentro dos estritos limites da legalidade. “Quando um ministro do STF reconhece publicamente que sentenças foram proferidas sob emoção e que algumas penas podem ter sido exacerbadas, fica evidente que houve um afastamento dos princípios fundamentais do devido processo legal e da individualização da pena”, afirmam.
“Débora Rodrigues foi condenada a uma pena desproporcional, sem que tenha praticado qualquer ato violento. Sua única conduta foi passar batom em uma estátua – um ato simbólico que, ainda que reprovável, jamais justificaria uma sanção tão severa”, continuam. “O reconhecimento de que pode ter havido excessos na dosimetria da pena reforça o que a defesa vem sustentando desde o início: os réus deste processo não estão recebendo um julgamento justo, mas sim sendo alvos de um julgamento político e emocional.”
O julgamento de Débora está suspenso desde segunda-feira, após um pedido de vista do próprio Fux.
OAB-RJ se posiciona contrária à condenação
Após a suspensão, a Comissão de Direito Penal da OAB-RJ divulgou uma nota pública criticando a pena de 14 anos dada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, à cabeleireira. De acordo com a entidade, “o entendimento compartilhado pela denúncia e pelo voto do ministro Moraes é, sob o aspecto técnico-jurídico, preocupante”.
Segundo a entidade, o magistrado “não individualiza condutas e responsabiliza a todos, indistintamente, pelas condutas alheias de violência e ataque às instituições”, explica. “Espera-se que esse julgamento não represente um retrocesso histórico no âmbito do processo penal, que deve ser justo e técnico para todos, seja qual for a inclinação política”, finaliza a OAB-RJ.







