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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Imagine dar um chega para lá na poeira que se acumula sobre a rotina e mudar de profissão, de destino, de vida. Foi isso que a antropóloga Francine Rebelo, 26 anos, e o cientista político Luiz Antonio Guerra, 28, decidiram fazer. Depois de cumprirem todo o protocolo acadêmico, ela adiou o plano de fazer doutorado, ele largou um cargo público no estado de Goiás, e mudaram-se os dois para Jacareí (SP) para ganhar a estrada (e a vida) a bordo de um caminhão.

E antes que qualquer um parabenize o casal pela aventura, os dois reforçam que a escolha, embora pouco óbvia, foi fundamentada em razões práticas – o gosto pela estrada e a possibilidade de subsistência fazendo dela, ofício. Para os dois, a vida de caminhoneiro é a única a proporcionar o que o casal anseia: viajar por todo o Brasil, conhecer cantos, pessoas e gastronomias que, de outra forma, dificilmente conheceriam, e ganhar o suficiente para pagar as contas no fim do mês. O desejo de viver em movimento é tamanho que o lema da dupla é: “Estrada vamos, estrada somos”.

“Nós escolhemos uma nova profissão. Analisamos afinidades, vontades e necessidades financeiras e concluímos que podíamos fazer essa escolha. Não é uma loucura nem uma aventura. É uma forma de trabalhar, ganhar dinheiro e viajar. Milhares de homens e mulheres rodam o país de caminhão e ninguém é louco por isso”, argumenta Fran. É justo.

Mulher ao volante

A infame referência ao perigo constante em tê-las ao volante é um dos clássicos machistas do trânsito brasileiro e Fran não sentou ao volante do caminhão imune a isso. Apesar de viajar com o companheiro, o que, em alguma medida, protege ambos do assédio e abordagens desrespeitosas, ela conta que percebe a diferença no tratamento dispensado por colegas de estrada e até mesmo fornecedores e frentistas.

“Percebo que muitos não ‘me dão moral’, explicam rotas e aspectos mecânicos do caminhão para o Tonho, como se eu não fosse também motorista ou ignoram quando falo alguma coisa. Mas esses episódios são esporádicos. Sinto que existe admiração pelas mulheres motoristas. Muitas viajam sozinhas e são bem sucedidas em seu trabalho.”

O apreço pela estrada não é de hoje. Fran é neta e filha de caminhoneiros. Desde pequena aprendeu que a estrada pode ser boa e ainda menina ansiava dirigir Brasil afora. Tonho, desde criança convicto de que seria motorista de caminhão quando crescesse, tratou de comprar uma Kombi para aplacar a vontade. O destino tarda, mas não falha.

À parte os desejos infantis, a ideia adquiriu forma quando Fran decidiu pesquisar mulheres caminhoneiras para o trabalho de conclusão do curso de Ciências Sociais. Ao experimentar a rotina da estrada com elas, a ficha caiu: a possibilidade de ser motorista era real. Com a chegada de “Tonho”, a equação ficou completa: encontrou nele o companheiro disposto a viver na boleia e o estímulo que faltavam para dividir o volante. A estrada pode ser feita de saudade, mas não de solidão.

Por enquanto, nada de atravessar o país de cabo a rabo – um quilômetro de cada vez. As emoções ficam por conta das muitas idas ao trânsito megalomaníaco de São Paulo e às serras e congestionamentos do Rio de Janeiro – cruzar grandes rodovias e ruas congestionadas – como a Dutra, a Dom Pedro I e a Marginal Tietê – é sempre uma aventura. A ambição da dupla agora é dirigir um caminhão maior, que tenha alguns confortos, como cama, e conseguir uma viagem longa, daquelas de passar mais de mês desbravando o interior.

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