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Deputado Chiquinho Brazão se defendeu por videoconferência na CCJ da Câmara.| Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

O caso da prisão preventiva do deputado federal Chiquinho Brazão (União-RJ) reavivou um embate entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso relacionado à imunidade parlamentar. Em sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, na terça-feira (26), para discutir a validade da prisão, o tema veio à tona mais uma vez.

Para a maioria dos congressistas, tanto do governo como da oposição, a prisão preventiva do parlamentar foi justa – Chico Alencar (RJ), do PSOL, chegou a referendar falas nesse sentido de Ricardo Salles (SP), do PL, durante a sessão. Alguns, contudo, levantaram dúvidas sobre uma possível afronta do Supremo à imunidade parlamentar.

De acordo com a CNN, após a sessão da CCJ, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), teria inclusive conversado com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, sobre o caso de Brazão e teria indicado sua preocupação com o risco às prerrogativas parlamentares.

A prisão preventiva de Brazão foi decretada com base no argumento de que ele obstruiu as investigações. Uma das questões suscitadas é se o ministro do STF Alexandre de Moraes poderia ter decretado esse tipo de prisão, já que a Constituição, em seu artigo 53, determina que parlamentares não podem ser presos salvo em flagrante de crime inafiançável. Neste caso, depois da prisão em flagrante, os autos devem ser encaminhados em 24 horas ao Congresso, que decide sobre manter ou não a prisão.

Juristas consultados pela Gazeta do Povo observam que, numa leitura mais sóbria do artigo 323 do Código de Processo Penal (CPP), seriam inafiançáveis somente os crimes previstos na lei, como racismo, tortura, tráfico de drogas, terrorismo e participação em grupos armados; e, para prender um parlamentar, seria necessário um flagrante de algum desses crimes. Moraes, contudo, está respaldado por uma jurisprudência controversa inaugurada pelo Supremo com a prisão do ex-senador Delcídio do Amaral em 2015, que alargou o entendimento sobre o que seria um flagrante de crime inafiançável.

"O Supremo, desde 2015, resolveu fazer uma interpretação toda própria dessa regra [artigo 323 do CPP]. Primeiro, para dizer que crimes inafiançáveis também seriam todos aqueles crimes que, no caso concreto, entenda-se que seja razoável decretar-se a prisão preventiva. Isso não é, tecnicamente falando, um conceito de crime inafiançável; isso é uma circunstância que pode ensejar a não concessão de fiança, porque cabe preventiva. De qualquer forma, desde o caso do Delcídio do Amaral, o Supremo fez esse alargamento de interpretação para dizer que isso também é crime inafiançável. E aí, qualquer crime, então, pode ser inafiançável, caso se entenda que cabe prisão preventiva", explica Rodrigo Chemim, professor de Processo Penal da Universidade Positivo e doutor em Direito do Estado

De 2015 até hoje, é a terceira vez que o Supremo faz essa interpretação. O mesmo entendimento foi aplicado no caso do ex-deputado federal Daniel Silveira, em 2021. "Dá para dizer que está coerente com os precedentes que eles criaram. Agora, tecnicamente, é altamente questionável isso", afirma Chemim.

Imunidade parlamentar está em decadência no Brasil

Pedro Moreira, doutor em Filosofia do Direito pela Universidad Autónoma de Madrid, também vê o entendimento do STF como tecnicamente equivocado, mas ressalta, assim como Chemim, que Moraes somente seguiu o precedente da própria Corte.

"Não caberia prisão cautelar de deputados e senadores. Mas o Supremo Tribunal Federal, ao menos desde a prisão do então senador Delcídio do Amaral, no contexto da Lava-Jato, tem relativizado essa regra. À época, o ministro Teori Zavascki criou uma espécie de híbrido entre a prisão em flagrante e a prisão preventiva, que causou controvérsia entre os juristas. Na minha opinião, o que ocorreu, naquele caso e também neste, é simplesmente a desconsideração da imunidade formal que protege os congressistas", diz.

A imunidade parlamentar é um mecanismo previsto em diversas democracias como forma de proteger o exercício independente do mandato legislativo. Ela serve para assegurar que parlamentares possam desempenhar suas funções sem receio de perseguição política ou judicial por suas opiniões e votos.

"Podemos discutir se essa imunidade é boa ou não, mas ela existe e está expressamente prevista na Constituição. O poder para relativizar o texto constitucional em nome do que hoje se considera um 'bem' pode ser utilizado, em outra circunstância, para um objetivo diferente, que não seja exatamente visto como um 'bem'. Então, é preciso ter cuidado com isso. É preciso saber conviver com os limites que a Constituição impõe aos nossos ímpetos", acrescenta Moreira.

Para ele, "a imunidade parlamentar está em desprestígio e vem sendo relativizada amplamente pelo Poder Judiciário". "Isso vale para a imunidade formal, que tem a ver com a prisão, e também para a imunidade material, que tem a ver com a liberdade de expressão do parlamentar. Esta, a meu juízo, é ainda mais preocupante. Creio que não podemos ter mais ilusões de que o abuso de poder se encontra apenas no uso do poder político. O abuso de poder também está no sistema de justiça. E isso exige que reforcemos os limites que o Direito impõe a todos os poderes, não só aos poderes eleitos", observa.

Rafael Domingues, doutor em Direito do Estado pela USP, não vê equívocos do STF neste caso, mas somente no do deputado Daniel Silveira, que deveria estar respaldado pelo artigo 53 da Constituição, segundo o qual "deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos". Neste caso, segundo ele, "se pode dizer que a imunidade parlamentar está realmente sendo vulnerada".

A votação sobre a validade da prisão preventiva de Brazão acabou sendo adiada por duas sessões na CCJ por um pedido conjunto de vista. Preso em 24 de março, o deputado é suspeito de ser um dos mandantes dos assassinatos da ex-vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. A Câmara precisa validar prisões por crimes inafiançáveis cometidos por deputados.

O advogado de defesa de Brazão, Cleber Lopes de Oliveira, disse na sessão da CCJ que a prisão de seu cliente é contrária à lei. "Os fatos são anteriores ao mandato do parlamentar e, por isso, há um vazio sobre a competência do STF", afirmou, sob críticas de diversos parlamentares.

Diante da controvérsia, os deputados Gilson Marques (Novo-SC), Fausto Pinato (PP-SP) e Roberto Duarte (Republicanos-AC) pediram mais tempo para analisar a tese da defesa.

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