
O DÉFICIT
O estudo da Fundação João Pinheiro põe na conta do déficit habitacional todo domicílio enquadrado em uma destas situações: habitação precária, coabitação familiar (mais de uma família na mesma casa), gasto excessivo com aluguel (mais de 30% da renda familiar) e adensamento excessivo de moradores num imóvel alugado (mais de três por dormitório). Pelo estudo, 43% do déficit se deve à coabitação familiar e 30% ao gasto excessivo com aluguel (5,1 milhões de unidades no país). Moradias precárias (19%) e adensamento excessivo em domicílios (7%) correspondem a 1,8 milhão de unidades.
Falta de áreas limita reassentamentos
Um em cada dez habitantes de Curitiba vive em condições subumanas nas invasões da periferia, sobretudo em Áreas de Preservação Permanente (APPs). São 200 mil pessoas, quase 10% da população, comprimidas em 254 ocupações irregulares em 2,8% da área total da capital. Trata-se de um problema socioambiental que não diz respeito apenas a quem vive atolado nesses banhados. O reassentamento de famílias de áreas de risco é uma das ações centrais do programa habitacional de Curitiba. O problema, no entanto, tem sido encontrar áreas disponíveis.
Os reassentamentos esbarram nos preços dos imóveis, segundo o presidente da Cohab-Curitiba, Ubiraci Rodrigues. As áreas disponíveis são particulares e geralmente muito valorizadas.
Uma alternativa tem sido a verticalização das unidades habitacionais em até quatro pisos, caso de parte dos dois conjuntos entregues semana passada no bairro Santa Cândida. Desde 2009, quando foram feitas as primeiras transferências, 5.973 famílias foram reassentadas 90% saíram da beira de rio. É o caso da dona de casa Adriele Mari de Andrade Pires, 22 anos.
Ela nasceu na beira de rio na ocupação irregular Santos Andrade, no Mossunguê, e passará a viver com o marido e os três filhos num dos apartamentos do residencial Aroeira. Outra beneficiada é a diarista Mariusa de Moraes, 31 anos, inscrita na fila da Cohab há três anos e sorteada ano passado para adquirir uma unidade no Residencial Imbuia. A norma do programa Minha Casa, Minha Vida prevê que o atendimento para famílias inscritas no cadastro da Cohab com renda mensal de até R$ 1,6 mil se dá por sorteio.
Até se mudar para o apartamento novo, dentro de algumas semanas, Mariusa continuará vivendo com o marido e os quatro filhos em uma precária casa de madeira em beira de rio, em local de frequentes alagamentos.
Ela pagava aluguel de R$ 600 em uma casa no Barreirinha, mas não conseguiu mais arcar com este valor, então a solução encontrada foi morar na beira do rio. Ali não há esgoto e vai tudo para o rio. Quando chove, a casa é invadida por lixo e esgoto.
Quando Curitiba viu sua população dobrar em apenas uma década, entre os anos 1950 e 1960, o prognóstico era de caos imediato no setor habitacional. Seus habitantes saltaram de 180 mil para 357 mil no período, e a migração seguiu em ritmo alucinante nas quatro décadas seguintes, à razão de duas ou três vezes mais do que a evolução demográfica do Brasil. Com uma das maiores taxas migratórias do país, suas bordas ficaram tomadas de favelas e Curitiba parecia predestinada à anarquia urbanística. Mas ela tem hoje o menor déficit habitacional entre as capitais.
INFOGRÁFICO: Veja informações sobre o déficit habitacional no Brasil
As explicações para isso são múltiplas (como a melhora da renda e a baixa taxa de desemprego de Curitiba), mas uma em especial foi decisiva para evitar o caos, embora um em cada dez curitibanos ainda viva em ocupações na periferia. Cidades com uma companhia de habitação popular têm os menores déficits. E Curitiba foi uma das primeiras a criar a sua, em 1965. A constatação não é de um qualquer. Funcionário do setor habitacional da Caixa Econômica Federal cedido ao município, o presidente da Cohab curitibana, Ubiraci Rodrigues, já passou por muitas cidades. Tem conhecimento de causa.
Ubiraci faz uma comparação rápida e elucidativa. As regiões metropolitanas de Curitiba e Brasília são similares, com cerca de 3 milhões de habitantes cada. Na Cohab da capital paranaense, a fila por uma casa própria tem 74 mil inscritos (e outros 10 mil de cidades vizinhas), enquanto na capital federal há 380 mil pessoas na lista de espera. A fila em Curitiba corresponde a 4% da população, ao passo que na cidade de São Paulo há 1 milhão em lista de espera, ou 10% dos moradores. Por extensão, o Paraná também exibe um problema menos grave do que no restante do país.
Uma radiografia divulgada recentemente pela Fundação João Pinheiro a partir do Censo Demográfico de 2010 revela a dimensão do problema. O país tem déficit de 6,5 milhões de moradias, 85% em áreas urbanas e 15% na zona rural. Em valores relativos, ou seja, comparando o déficit habitacional ao total de domicílios, o Paraná tem o segundo menor índice entre os estados, com 8,7%, atrás do Rio Grande do Sul (8,4%). Já entre as capitais, Curitiba tem a menor taxa de carência de moradias, com 8,5%.
Apesar da melhor posição em relação às demais capitais, nem tudo é elogio a Curitiba. Antiga crítica da política habitacional local, a organização não governamental Terra de Direitos diz que ela se baseia na segregação. Os moradores de classes mais baixas são levados para áreas distantes da região central, onde a falta de estrutura dificulta a permanência. Essa seria a explicação de porque alguns mutuários acabam vendendo os imóveis financiados pela Cohab.
A professora-doutora Gislene Pereira, pesquisadora do Laboratório de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná, faz ressalvas ao sistema de regularização adotado pela Cohab, que dá a moradia mas não cria condições de permanência, como infraestrutura e empregos na região. Assim, a administração pública trabalha nas consequências e não nas causas do problema. Ou seja, a Cohab tem programas para regularizar áreas ocupadas, mas não um plano de habitação que faça frente à demanda por moradia popular.
Estudo aponta as origens das ocupações
A forma de ocupação dos espaços urbanos decorrente dos processos migratórios do campo para as cidades explica a peculiar organização do mercado imobiliário informal de Curitiba, conforme estudo do Laboratório de Arquitetura e Urbanismo da UFPR. A metropolização se deu com a periferização urbana a partir dos anos 1970, consolidando-se nas décadas seguintes com a conurbação entre a capital e os municípios limítrofes a nordeste e a sudeste. Entre 1970 e 1980, por exemplo, Curitiba concentrava 65% dos domicílios urbanos, caindo para 44% nas duas décadas seguintes.
Até meados da década de 1960, a mancha urbana existente podia ser traduzida por uma área mais extensa no entorno do centro de Curitiba, num raio de 7,5 quilômetros. Ao longe despontavam pequenos núcleos urbanos isolados, como Araucária, São José dos Pinhais, Piraquara, Campina Grande do Sul, Colombo, Almirante Tamandaré e Campo Largo. Nas duas décadas seguintes, teve início a expansão das áreas urbanas a nordeste e sudeste da capital. Esta nova frente de expansão ficava a uma distância aproximada de 12,5 quilômetros do centro de Curitiba.
A nova lógica
A pesquisa da UFPR sintetiza a configuração da nova lógica de organização do mercado imobiliário regional em dois extremos: de um lado, a redução significativa na produção de lotes formais e, de outro, o crescimento das ocupações irregulares. Diagnóstico feito pela Cohab explica o fenômeno. As primeiras invasões surgiram por volta de 1950, chegando ao final dos anos 1970 com 22% do total existente hoje. Na década de 1980 surgiram 37% do total, mais 21% na década seguinte e outros 18% entre 2000 e 2001. Os 2% de ocupações restantes surgiram depois.

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