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Capa do documento do coletivo “Correnteza Feminista” que reúne relatos de mulheres perseguidas por questionar teorias de gênero não baseadas em sexo.
Capa do documento do coletivo “Correnteza Feminista” que reúne relatos de mulheres perseguidas por questionar teorias de gênero não baseadas em sexo.| Foto: Reprodução

Há uma campanha global em andamento para descaracterizar qualquer noção de individualidade e de unidade do corpo humano. Essa ação na opinião pública se apoia em teorias pós-modernas transumanistas, que confundem, de forma proposital, sexo, gênero e identidade de gênero. É uma forma de atingir meninas e mulheres com uma nova versão do patriarcado, que autoriza homens travestidos como mulheres a invadir espaços privados sensíveis, como banheiros.

Mulheres que reagem e defendem seus direitos baseados no sexo, mesmo que compartilhem ideais de esquerda e tenham longa trajetória de alinhamento ao feminismo histórico, acabam sendo perseguidas, especialmente no ambiente das universidades públicas brasileiras e dos órgãos públicos e das organizações não governamentais onde muitas vezes elas estão empregadas.

Dessa forma, se multiplicam os casos de coação, intimidação, violência verbal e física, perda de empregos, de renda, impossibilidade de prosseguir com pesquisas acadêmicas e científicas, perda de bolsas e processos judiciais e administrativos.

Este é o cenário descrito pelo coletivo Correnteza Feminista, um grupo de mulheres que, entre outras pautas, questiona as teorias de identidade de gênero. A organização produziu recentemente um levantamento em que lista e mapeia casos de perseguição.

Perseguição aberta 

“Colhemos relatos de mulheres que, no contexto de embates relacionados a sexo e gênero, foram agredidas fisicamente, perseguidas nos seus trabalhos, processadas, extorquidas; que tiveram a vida dos filhos e filhas ameaçadas, suas pesquisas suspensas”, descrevem as autoras, que optam por permanecer no anonimato por temer perseguições.

“É preocupante a cumplicidade do Estado brasileiro no referido cenário de violência contra meninas e mulheres, que são transformadas em alvo por divergirem de uma teoria pós-moderna que foi, apenas recentemente, transplantada da academia estadunidense direto para as políticas públicas e a jurisprudência brasileiras, de forma vertical e sem debate público ou participação popular significativos”, aponta o trabalho.

Foram coletados 366 relatos de mulheres majoritariamente brancas (74%) e com ensino superior completo (72%), entre 18 e 65 anos, das 22 unidades da federação – 57% se consideram de esquerda e 26%, de centro-esquerda. Do total, 52% disseram ser heterossexuais, 35% bissexuais e 13% lésbicas. “A perseguição contra mulheres de direita existe, mas as de esquerda são o alvo prioritário. É uma estratégia de contenção de dissidências internas”, diz, em entrevista, uma integrante do grupo.

Os dados apontam que 96% das entrevistadas, que preencheram um questionário online, já deixaram, ao menos uma vez, de expressar a sua opinião acerca das necessidades dos direitos das mulheres baseados no sexo por medo de sofrer retaliações. E 53% declararam que já foram ameaçadas por se manifestar sobre o tema. “A diferença entre os percentuais aponta para uma campanha de silenciamento, que é também uma forma de violência”, avalia a integrante.

Outras 32% entrevistadas relataram terem sido punidas ou sofrer sanções por falarem de suas perspectivas de feminismo. E 86% relataram que nunca escreveram artigos acadêmicos a respeito o assunto.

Visita cancelada 

O relatório foi produzido para ser enviado a Reem Alsalem, Relatora Especial da ONU sobre Violência Contra Meninas e Mulheres. Alsalem tinha visita ao Brasil marcada para agosto de 2023, mas o governo, por intermédio do Ministério das Mulheres, cancelou o encontro. Alsalem tem sido ameaçada de sofrer cancelamento depois de apontar para o risco de ocorrerem casos de intimidação contra as pessoas que manifestem críticas às teorias transumanistas. Ela tem afirmado que as liberdades de expressão e de organização de mulheres estão sendo cerceadas – foi o suficiente para ser acusada de agir de forma transfóbica.

Em entrevista à Gazeta do Povo concedida em outubro, poucas semanas depois do anúncio unilateral do cancelamento da visita, Alsalem informou que recebeu uma nova opção de data: “O governo brasileiro propôs recentemente que a visita ocorresse em setembro de 2024 – somente daqui a 11 meses, portanto. Tenciono aceitar esta proposta, embora não a considere ideal, pois gostaria que a visita acontecesse mais cedo”, ela comentou.

Também disse ao entrevistador, Luciano Trigo: “Há aqueles que argumentam que os defensores dos direitos dos transgêneros fazem parte do movimento feminista. Outros dirão que o movimento feminista em si não é uniforme, pois tem muitas correntes diferentes, com divergência de opiniões sobre diversos temas, incluindo a prostituição, o aborto e questões de gênero, identidade e sexualidade, bem como os direitos que delas emanam.”

E apontou ainda: “Tem sido difícil – e, em alguns lugares, quase impossível – ter conversas construtivas, calmas e inclusivas sobre estas questões, sem ser cancelada, atacada, sabotada, difamada. Em muitos casos, mulheres – especialmente mulheres que tinham opiniões críticas sobre a ideologia de gênero – perderam os seus empregos e foram seriamente ameaçadas, envergonhadas e humilhadas.”

Como afirma a integrante do movimento Correnteza Feminista, “temos um governo progressista que cancela sem explicações a visita de uma enviada da ONU com base em declarações em defesa de mulheres e meninas”. Procurado para informar sobre as motivações do caso, o Ministério das Mulheres não se manifestou.

Agenda de controle 

A participante do coletivo aponta que, tradicionalmente, o feminismo valoriza o corpo feminino e a diferenciação em relação ao masculino, e não trejeitos e artefatos externos. “Da forma como o transumanismo esquarteja qualquer noção de corpo humano, torna-se possível utilizar vestido e barba, falar em ‘pessoas que menstruam’. É uma distorção de qualquer noção básica de identidade, que prejudica as mulheres. E faz parte de um mesmo conjunto de teorias que abre margem, por exemplo, para relativizar a pedofilia ou aceitar cirurgias e tratamentos hormonais em crianças, o que é um caso evidente de abuso infantil.”

O levantamento realizado pelo grupo lista casos de perseguição em redes sociais, principalmente, algumas levando à perda de empregos. Também cita agressões físicas, incluindo um incidente envolvendo um homem trans que lançou um copo de vidro contra uma mulher que estava acompanhada do filho de três anos – tudo porque não concordou em considerar o homem em questão como “fêmea”. Há casos também de mulheres que desistiram da faculdade onde estavam matriculadas, tamanha a intensidade dos ataques.

O trabalho alerta para um esforço conjunto para que estes relatos não venham à tona. “Nós, feministas históricas, estamos órfãs politicamente. Nossa voz não é ouvida”, afirma a integrante do grupo. A página onde a pesquisa está disponível para download menciona: “O presente relatório foi enviado para divulgação nos seguintes veículos da mídia progressista: Outras Palavras, Gênero e Número, AzMina, Brasil 247, Revista Fórum, Opera Mundi, El País, Brasil de Fato, A Pública, The Intercept, Revista Piauí, Revista Cult, Revista Ela (O Globo), Universa (UOL) e Le Monde Diplomatique. Não obtivemos resposta de nenhum.”

Para a participante do movimento, isso acontece porque a pauta transumanista já alcançou a mídia tradicional. “Sabemos que é uma agenda bancada por organizações não governamentais de grande porte, especialmente vindas dos Estados Unidos, e que têm uma agenda clara de controle do discurso. Daí que quem a questiona é ameaçado e caracterizado como fascista.”

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