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Sempre me intrigou a rivalidade entre brasileiros e argentinos, que parece diferente das outras que alimentamos. Sim, há o antiamericanismo atávico, mas com a eleição de Obama ficamos momentaneamente sem jeito, como cachorro latindo atrás de caminhão que para de repente. Além disso é preciso que o outro nos reconheça como rival, e os americanos acham que falamos espanhol, que a capital do Brasil é a Bolívia, e por aí vai. Um rival assim desqualifica a peleja. Tem o português, já sacramentado por milhões de piadas que fazem parte da própria identidade brasileira, como um espelho ao avesso, mas eles não são foco de tensão – tudo se desfaz em simpatia. São tão próximos que até fingimos que falamos a mesma língua. Sobram os argentinos como verdadeiros rivais – e nisso o futebol é um termômetro imbatível. Eles são os da turma da esquina. É uma rivalidade familiar, entre parentes e vizinhos, e portanto com uma carga letal perigosa. Como temos histórias e culturas mais ou menos semelhantes, de onde vem a rivalidade? Quais são nossas diferenças? De longe, parece tudo igual: inflação, ditaduras, churrasco, futebol.

Bem, há um fato curioso que talvez nos dê alguma chave: o amor que os argentinos nutrrem pelas mulheres de presidentes, a ponto de colocá-las no poder. A mitologia de Evita é uma letra de tango; e os argentinos acharam por bem, décadas depois, exumar Isabelita em vida para que ela assumisse a presidência. E agora temos a senhora Kirchner, eleita para suceder ao marido. Tudo bem – desconfio que seria até crime previsto em lei reclamar dos vizinhos porque elegem mulher de presidente. Mas quem sabe desse fato venha alguma luz para entender nossas diferenças?

Imagine o leitor que os brasileiros tivéssemos o mesmo gosto político. Em vez de dar um tiro no peito, Getúlio Vargas lançaria sua mulher à sua sucessão e a crise, digamos, tomaria um outro rumo. Na mesma linha, Jânio Quadros, após a renúncia, proporia o nome de Eloá à sucessão, e toda a história seria outra – desde, é claro, que nós gostássemos de mulheres de presidentes a ponto de votar nelas. Adiante: na dúvida entre o terceiro mandato e os horizontes eleitorais da Dilma, em mais um golpe de mestre, Lula lançaria Dona Marisa à sucessão. Ovacionada, ouvindo o clamor das ruas – multidões encheriam as praças com o bordão "Marisa Presidente" – e provocando o pânico na oposição, Dona Marisa assumiria o comando em votação acachapante.

Por que essa hipótese nos soa tão absurda, se na Argentina seria perfeitamente normal? Não sei. Mas antes que a soberba nos tome a alma, é preciso não tirar daí nenhuma lição em causa própria. Melhor entender como simples diferença, para a gente sintonizar com esse tempo multicultural. Eu diria que se trata de imaturidades de natureza distinta: eles se sentem bem protegidos pela mãe; já nós somos chegados a um bom paizão.

Cristovão Tezza é escritor.

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