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É inacreditável, mas já pulei carnaval. Tenho uma foto inverossímil de mim mesmo em Antonina, divertindo-me no glorioso desfile do "Império da Caixa d’água", que por dois ou três anos foi dirigido por W. Rio Apa e, se não me engano, até premiado no concurso local. A imagem do carnaval de Antonina daqueles anos 70 fixou-se para mim como de uma festa verdadeiramente popular, que envolvia cada morador da cidade. Talvez eu esteja apenas retocando a memória, mas acho que era isso mesmo – uma coisa muito boa.

De volta a Curitiba, o carnaval foi desaparecendo da minha alma, a ponto de hoje eu achar que é uma coisa chatíssima. Vejo aquelas multidões em Recife, em Salvador, no Rio, milhares de pessoas esmagando-se em avenidas na estridência de uma música de batida primária, com o olhar distante de um marciano a admirar a estranheza de um acontecimento que, por certo, está entre os maiores espetáculos da Terra. No caso do Brasil, trata-se de uma festa que nos define internacionalmente como brasileiros, para o bem e para o mal. Aqui o carnaval é um evento muito sério; há uma simbiose cultural fortíssima entre a festa e o que seria a nossa famigerada "identidade". Nessa imagem, entram fatos e mitos entrelaçados: sensualidade, liberalidade, musicalidade e uma profunda "des-hierarquização" dos poderes, que sempre foi a essência milenar carnavalesca – o mendigo se veste de rei, o rei de mendigo.

O problema é que sou de Curitiba. Acaso não somos também "brasileiros"? Será que não somos patriotas o suficiente? Por que a cidade se esvazia no carnaval? Será puramente um problema geográfico? Porque afinal os curitibanos pulam, e muito, em Caiobá e Guaratuba. Há explicações de todo tipo: quem gosta de fila não pula carnaval, temos horror à transgressão, nossa timidez é mortal, "o que os outros vão dizer", "esse pessoal precisa de serviço", "polaco tem cintura dura", etc. – a lista de desculpas é infinita, mas todas giram em torno do célebre e misterioso temperamento curitibano, a inefável atmosfera da cidade. Lembro que há alguns anos caminhei por uma hora no Parque Barigui em plena terça-feira gorda, o parque cheio de gente, e não encontrei um único signo de carnaval, por mísero que fosse, uma máscara de criança, um balão, um pedaço de serpentina, um confete perdido, um longínquo "mamãe eu quero" vindo pelo ar. Nada. Poderia jurar que estávamos no mês de outubro, na Áustria. Uma paz que achei, aliás, maravilhosa.

Alguém já propôs que, em vez de forçar uma festa que, parece, a cidade não quer, a prefeitura patrocinasse algum evento diferente, para atrair os milhares de brasileiros que por acaso não gostam de carnaval (e são uma legião): um encontro nacional de psicanálise, um festival de música erudita, uma feira de livros, algo assim. O que reforçaria a nossa já famosa originalidade no cenário brasileiro.

Cristovão Tezza é escritor.

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