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1. O horrendo show de abertura da Copa, com seu amadorismo constrangedor, me deu a impressão aziaga de um país incapaz de se ver, do seu inacreditável desperdício. Mas é obra da Fifa. Quem se reconhece naqueles clichês patéticos que puseram trôpegos em cena para o mundo inteiro assistir?

2. Durante hora e meia, fui o único brasileiro a achar que Fred sofreu pênalti, a mão croata em concha puxando-lhe o ombro por trás. Depois de escutar 2 milhões de comentários enérgicos dos especialistas na área, me convenci do contrário, e hoje juro que não foi pênalti.

3. Preferências políticas à parte, ofender a presidente com palavrões na abertura de um evento internacional que o Brasil escolheu abrigar e que apoiou entusiasticamente sete anos atrás me deu aquela sensação ruim de viver mergulhado numa imensa estupidez nacional, incapaz, para sempre, de separar alhos e bugalhos, público e privado, Estado e governo – ou, se tudo isso soa muito complexo, apenas senhoras e senhores.

4. Distraído comendo pipoca, imaginei um aplicativo que me renderá bilhões de dólares e mudará o mundo – ficarei rico e célebre! Trata-se de um mecanismo de delay dos comentários de páginas de internet, observações de facebook e frases do tuíter: o programinha (que vou patentear na semana que vem) retardará 60 segundos cada vez que o usuário começar a digitar o que lhe veio à cabeça, e outros 60 segundos para acionar o "enter", de modo a lhe conceder uma margem razoável de tempo para o arrependimento.

5. Talvez o erro básico de avaliação quando se tenta entender o futebol seja vê-lo como um esporte qualquer, como o frescobol ou o campeonato de porrinha. O futebol é um fenômeno transcendente que afeta simbolicamente todos os campos da atividade humana, da produção de riquezas até os mais insondáveis sentimentos religiosos, o gramado transformado em igreja e o jogo em missa. O sinal da cruz do jogador se mistura com os chavões recitados nas entrevistas sobre o fundo publicitário.

6. Ódios milenares, diferenças étnicas, opressões religiosas, violência política, autoestima, recalques sociais, e até mesmo, lá no fundo, o prazer infantil do jogo de bola entram em cena. Em torno da arena, o ronco assustador da tribo batendo no peito e lançando gritos de guerra, lado a lado com a carnavalização e a risada demolidora. O frágil fio da civilização é aquela linha, hoje imaginária, mas quase sempre misteriosamente eficaz, que separa o campo da plateia. No Brasil, o ridículo do "não vai ter Copa" equivale a uma tentativa de boicote ao carnaval ou ao desfile de Corpus Christi.

7. A Holanda é uma belíssima festa, no campo e na arquibancada. Chego a fantasiar que os holandeses sequestraram a alma brasileira quando ocuparam Pernambuco no século 17. Mas nada a ver; eles foram só a primeira república moderna do mundo, e a mais tolerante.

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