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Há muitos anos, zapeando noite adentro, vi num desses programas de curiosidades a história de um vendedor americano que economizava tempo es­­quentando a marmita no motor do carro. Ele havia adaptado um suporte "porta-quentinha". Na hora do almoço, o engenhoso viajante estacionava no acostamento, abria o capô e o prato já estava na temperatura ideal para consumo. No mesmo programa, um outro americano apre­­sentava a sua obra: havia erguido uma réplica perfeita da Capela Sistina, do Vaticano, com cópias idênticas às pinturas de Michelangelo. A Capela, erguida em algum lugar na vastidão do Texas, era – e imagino que con­­tinua sendo – visitada por uma legião de turistas multicoloridos e satisfeitos. Nas entrevistas, declaravam que era muito bom ter acesso a essa obra fundamental da Renascença sem precisar se deslocar até a Itália, gastar com viagem internacional, hotéis etc.

E num terceiro quadro do programa – eu estava com uma in­­sônia brutal –, apareceu a en­­trevista mais interessante. Um sujeito que preenchia tudo quan­­to é cupom das lojas dos Estados Unidos solicitando catálogos pelo correio. Era um tempo pré-internet – o equivalente hoje seria aquele internauta que não pode entrar num site sem pedir, avidamente, clicando nos quadradinhos, que pelo amor de Deus a loja envie propagandas, ofertas, newsletters, bônus, convites, e que inclusive repasse essa informação a terceiros, provocando um efeito cascata espetacular. Toda manhã você liga o computador e cai aquela enxurrada de e-mails do mundo inteiro, o que sempre dá a ilusão de que podemos contar com um balaio de conhecidos e amigos.

Mas o americano era mais prático: o que ele queria mesmo era juntar papel para abastecer o sistema de aquecimento da casa via lareira, no duro inverno do norte, debaixo de neve, economizando combustível e lenha. Todos os dias ele recebia pelo correio pilhas e pilhas de cadernos de ofertas, revistas publicitárias, folders com anúncios, blocos de cupons, que ele continuava preenchendo e pedindo mais. Du­­rante o verão, como na fábula da formiga e da cigarra, ia armazenando aquele vasto material – toneladas de madeira transformadas em papel – numa garagem. No inverno, neve caindo, nas mãos da nossa diligente ci­­garra aqueles sacos pesados de catálogos passavam a ser queimados na lareira. Digamos que ele podia ser considerado um ca­­tador de papel do Primeiro Mun­­do. Em vez de correr atrás de porta em porta, ele esperava que lhe mandassem o material.

Às vezes fico matutando so­­bre alguma utilidade para o lixo eletrônico – transformá-lo em energia, em bateria de notebook, em aumento de força da banda larga, algo assim. Quando eu aperto o "delete" – o que eu faço com um prazer próximo do sa­­dismo – para onde vai tudo aquilo? Lugar nenhum. Como se a informática contrariasse a Lei de Lavoisier. Nesse caso, tudo se perde, nada se transforma.

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