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Os linguistas que estudam a relação entre linguagem e visão de mundo certamente encontrarão nas palavras de Lula um bom material de estudo; e centrando-se nas formas de expressão do populismo, terão outro terreno fértil para teses. Chama a atenção em todas as manifestações de Lula (públicas ou privadas, como sua observação a um garoto no Rio, sem saber que era filmado, de que "tênis é coisa de burguês") uma acachapante ausência de abstração e o exemplo "na lata", a percepção popular de um instantâneo que se compreende como o brilho de rastilho de pólvora. De certa forma, ele sempre diz o que a maioria do povo, culta ou inculta, diria em situação relaxada, como numa conversa de bar – é aquela "primeira coisa que vem à cabeça" no âmbito dos amigos ou da família, falando uma língua que apenas aceita palavras, imagens, relações lógicas, sintáticas ou semânticas, que pertençam a esse âmbito. Enquanto a candidata Marina diz que "temos de mudar a narrativa", uma frase incompreensível para 80% da população, Lula diria "temos que acabar com essa história de..." – e, qualquer coisa que ele fale depois já está "em casa".

Essa é a parte formal da empatia. Quando chegamos ao conteúdo, o ouvinte já foi capturado pelo tapinha nas costas e a substância da fala passa a ser irrelevante. Há pouco ele declarou que, se achar alguma coisa errada no governo da Dilma, ele "pega o telefone e diz – olha, isso tem de ser assim e assado". O "pegar o telefone e dizer umas boas" é outra imagem brutalmente concreta para o ouvinte – todo mundo na vida já "pegou um telefone" e disse umas boas para o encanador, o tio, a sogra, o síndico. O fato de que um ex-presidente prometa se comportar como a Salomé de Chico Anysio, habitante de uma espécie de Casa da Mãe Joana, passa a ser irrelevante – o ouvinte já foi tranquilizado por uma fala que o impediu de pensar. Do mesmo modo, Lula vai resolver o problema dos barraqueiros de Salvador, porque, como ele diz, "Quando eu sair da Presidência, eu vou ter que vir na praia e quando eu quiser uma cervejinha gelada e não tiver dinheiro no bolso, ele vai lembrar este Lula fez algo para mim e fica por conta da nossa amizade". A política se reduz a uma piada entre amigos, o que é bem melhor do que ter de lidar com a dura abstração das leis ou com um projeto para o país. Não é só o pitoresco do calor da campanha – Lula inteiro é assim. Pelo verbo, transformou uma das mais ineptas políticas externas da história do Brasil numa glória carnavalesca sem nenhuma relação com os fatos. Mas o bordão – "Agora somos respeitados lá fora!" – tranquiliza, como o ressentido do bairro que resolveu no grito um problema na vizinhança.

Símbolo absoluto da esquerda brasileira, o populismo de Lula ao mesmo tempo paralisou-a. Todos os discursos nascem mortos diante da inacreditável unanimidade de um país que, esvaziado de ideias, parece ter realizado enfim a utopia apolítica da conciliação total.

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