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Neste exato momento em que escrevo, estou no trem-bala de Pequim para Xangai, a 307 km/h, atravessando uma planície que, inicialmente cinza, começa a ficar verde. Mas o céu continua pesado de poluição, chaminés aqui e ali despejando fumaça. Uma viagem agradável, confortável. Já me acostumei com o som anasalado e cantado do mandarim, a algaravia inescrutável que apenas aumenta a estranheza deste mundo. Acabo de receber da comissária de bordo uma coca-cola e um saquinho com doces, que, explica-me o vizinho gentil com uma palavra-chave (Free!), são de graça, um último resíduo socialista. Aproveito essas quatro horas de relativa folga para garantir a crônica, porque os dias continuam corridos. É difícil explicar o que a China representa para um visitante brasileiro. A tentação de se fixar nos estereótipos é grande.

Por exemplo: todo chinês é portador de um smartphone, para o qual está permanentemente olhando, atravessando a rua, na calçada, nos restaurantes, no metrô. Segundo: em nenhuma outra grande cidade do planeta o triunfo do capitalismo é tão acachapante como aqui. Ontem andei na maior escada-rolante de shopping da Terra. Não me lembro, aliás, de ter entrado em algum shopping maior que os que existem aqui. Mais: não há carros velhos em Pequim. Só carrões, que ocupam simultaneamente todas as vias expressas, ruas, esquinas, viadutos e estacionamentos da superfície de Pequim, enquanto nos subterrâneos milhões de chineses lotam os metrôs, que têm um padrão Fifa, para usar uma expressão da moda, de dar inveja ao mais exigente Jérôme Valcke.

No mais, tudo está em obras. Olho pela janela do trem e vejo dezenas de torres nascendo do nada, cada uma com uma grua gigantesca no topo (o trem acaba de parar numa plataforma; a placa, amigável, tem a tradução em inglês, herança da cultura dos Jogos Olímpicos: "Jinan West Railway Station". Calculando o tempo, imagino que já estou a 400 km mais para o sul).

Voltando aos carros e às regras, o trânsito aqui se concentra em dois conceitos: em qualquer situação, buzine; e todas as placas e semáforos são apenas elementos opcionais. E, no entanto, tudo se move, num caos organizado em que se cruzam pessoas, bicicletas, ônibus, carros, triciclos, ao sabor de buzinas e conversões inverossímeis. Os chineses são, sem dúvida, os melhores motoristas do mundo, porque ainda não vi ninguém matar nem morrer, embora o coração fique na boca minuto a minuto. Mas motocicletas são proibidas.

Montanhas se aproximam, quebrando a monotonia da planície. Acabo de ver tanques de guerra estacionados, surrealistas, na bela geometria verde de campos de arroz, e o trem entra num túnel. Montanhas, vilarejos, torres de transmissão, sequências de casas gêmeas. O alto-falante anuncia demoradamente algo em mandarim, um som nasal que se confunde com o zumbido do trem. Vou tirar uma sonequinha, olhos fechando.

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