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Quando estava na China em espaços públicos, sentia uma curiosa semelhança de comportamento entre o chinês e o brasileiro – o gestual, a fala alta, o riso fácil, a impressão de intimidade –, assim como, no Japão, percebia exatamente o oposto. Mas que coisa é o "brasileiro"? Não há tarefa mais insana do que tentar definir o habitante de um país novinho como o nosso, de meros 500 anos. Não é simples apreender uma síntese cultural capaz de dar conta de disparidades tão gritantes. O que haverá em comum entre o pedreiro da reforma e o dono do banco, o evangélico, o judeu e o seminarista, o piauiense e o gaúcho, o negro, o mulato, o cafuzo, o índio, o alemão mestiço, o português da padaria, o coreano importado, o seringueiro e o motorista, o nissei, o manauara e o açoriano de Florianópolis e, dentre todos esses, a versão feminina ou gay de cada caso (para ser menos gramaticalmente sexista), e mais os que andam de helicóptero, as atletas e os batedores de carteira? Enfim, paro por aqui porque a lista, absurda, é potencialmente infinita e o leitor sabe de que disparidade estou falando – é só olhar em torno.

Pois bem, o que são esses caras, os "brasileiros"? Isto é, que critério tenho para defini-los como "brasileiros", sem considerar a simples definição jurídica constante no RG? Existe mesmo algo em comum ou o conceito é apenas uma fantasia política e uma "construção social", para repetir o jargão? Não sei. Pensadores do Brasil se debruçaram sobre a questão, mas a resposta sempre soa incompleta, ainda que cada ponto de vista dê conta de algum aspecto importante da "brasilidade".

Gilberto Freyre encontrou na nossa miscigenação, que tem características únicas no mundo, uma chave para definir o brasileiro. Sérgio Buarque de Hollanda, em Raízes do Brasil, criou o conceito de "homem cordial", alguém que só se sente seguro com o tapinha afetivo e familiar nas costas porque é incapaz de compreender a neutra abstração da vida em sociedade. Nossa autoimagem é ciclotímica: ou somos um povo generoso, abençoado por Deus, ou uma horda ameaçadora de malandros. Somos hospitaleiros e gentis, e botamos fogo em mendigos. Matamo-nos de trabalhar de sol a sol e mamamos em todas as tetas do Estado. De um lado, temos grandes amigos do peito, e, de outro, sentimos um desprezo secreto pela identidade ameaçadora (brasileiro é "corrupto", "invasivo", "ignorante"...).

Talvez seja a língua o único ponto em comum? Por exemplo: apesar de certo imaginário coletivo de um Brasil "europeu", não há movimentos linguísticos separatistas no país (de tal modo que Policarpos Quaresmas no Senado chegaram a propor uma ridícula reforma ortográfica "fonética"). Para quem escreve, a língua é certamente o que nos define, mas, para quem fala, quase nunca. Há algo de perigoso nos brasileiros? Afinal, eles existem? Ou somos todos chineses disfarçados?

Não sei.

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