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Toda criança já ouviu a per­­gunta: o que você quer ser quando for grande? E são um cromo da mitológica inocência infantil as respostas-padrão: astronauta, corredor de Fórmula Um, modelo, bombeiro, professora. Depois de um certo tempo, as opções se afunilam, o senso de realidade vai apagando a poesia dos projetos, e parece que tudo se dirige a um único caminho que é afinal aquele que assumimos. Escolhemos mesmo alguma coisa? Acho que sim, mas um tanto às cegas. Além disso, as escolhas são quase sempre determinadas pelas circunstâncias – e para muitos não há escolha alguma. Pergunte-se ao filho do catador de papel, o dia inteiro esgravatando o lixo, o que ele quer ser quando for grande – a pergunta será ofensiva como os brioches de Maria Antonieta. Provavelmente dirá que quer ser jogador de futebol – como se esse esporte, pelo DNA, fosse a cara do Brasil. E é – mas isso é outro assunto.

Eu também quis ser jogador de futebol, num breve delírio; desiludido pela minha invencível perna de pau, cheguei a na­­morar a hipótese de fazer um curso para árbitro, conversando com amigos num boteco de Antonina, depois de um jogo. O projeto durou o tempo que duraram as cervejas. Não satisfeito, pensei em ser piloto de aviação civil e sair de teco-teco por aí, reencarnando Saint-Exu­­péry – cheguei a subir a serra para fazer o curso e tirar o brevê, mas o gu­­ru Rio Apa me dissuadiu da ideia. Só por isso, devo a ele mi­­nha vida, porque com o meu pavio curto não teria mesmo muito futuro lá em cima. Depois quis ser piloto da Ma­­rinha, e cheguei a frequentar o curso no Rio, no calor da ditadura – em seis meses saí de lá correndo, para desespero da minha mãe, que começava a perder as esperanças na salvação do filho.

Tentei ser ator profissional – comecei a ensaiar uma peça, di­­rigido por Antonio Carlos Kraide e estimulado pelo amigo Ariel Coelho. Mas fracassei e desisti. Sem rumo, cheguei a abrir uma lojinha de consertar relógios, que durou poucos meses. Vivi de bicos por um tempo, até me tornar professor, náufrago em terra firme. Fui levando, o tempo passando – mas depois de 25 anos percebi que não era bem isso o que eu queria. Pedi demissão e voltei a viver de pequenos expedientes – hoje sou cronista –, até me bater mais um entusiasmo, que levo adiante: ser em­­presário. Estou abrindo uma pequena firma e começo a ver o Brasil de perto, longe do confortável guarda-chuva da viúva. Já contratei contador, preenchi trinta papéis, paguei taxas, reconheci firmas, requeri certificados e vou impávido em frente.

Pelo menos vislumbro uma alegria de infância: já encomendei um bloquinho de nota fiscal, que a cada serviço deverei preencher caprichosamente em três cópias, colocando o papel carbono entre uma fo­­lha e outra – quando criança, morria de inveja do filho do dono do Ar­­mazém Pinheiro, posudo atrás do balcão com a caneta encaixada na orelha.

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