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Li tempos atrás que os acontecimentos de maior impacto emocional na vida são a morte de alguém próximo, a perda do emprego e a insegurança da moradia. A ordem de importância pode variar de pessoa a pessoa e circunstância a circunstância. Reagimos sempre diferentemente a fatos semelhantes. Mas imagino que nesse momento centenas de catarinenses devam estar sofrendo todos esses fatos ao mesmo tempo, com a mesma força, de uma vez só. E o mais insuportável talvez seja a percepção do absurdo, que provoca o desalento e uma terrível sensação de injustiça. Simples fenômenos naturais concentrados no tempo – chove muito, enche-se um rio, alagam-se regiões, desabam casas, plantações são destruídas, pessoas morrem, outras não têm para onde ir, todos os meios normais de comunicação e sobrevivência implodem, e ficamos com a roupa do corpo no pânico de um recomeço. É simples assim – uma cadeia de fenômenos quase que totalmente fora do alcance da ação humana. A rotina – essa válvula de estabilidade que ao longo do tempo vai nos deixando em pé com a paz necessária para sobreviver – subitamente é destruída em todas as suas variáveis. O mais espantoso é que, de fato, o mundo não acaba – em pouco tempo, as formigas humanas vão reconstruindo pedaço a pedaço o habitat da sobrevivência. E, exatamente como vimos fazendo há milhares de ano, olhamos para o céu, em busca de sinais. Já na terra, é a força da solidariedade que pouco a pouco recupera os elos perdidos.

Situações extraodinárias sempre rompem os limites do comportamento. No início, é só uma notícia – parece que quanto mais vítimas, mais indiferentes ficamos. "Cem mil mortos numa enchente da China", "mil e duzentos soterrados na Índia", "quinhentas vítimas em atentado terrorista no Paquistão", lemos às vezes na internet, e parece que se trata de filmes – informações avulsas e frias de outro planeta. Já uma solitária baleia encalhada na Indonésia às vezes comove mais, não porque somos monstros cruéis, mas porque o fato singular parece mais compreensível, explicável, racionalizável. Técnicos, cientistas e políticos costumam apontar o que há de culpa humana nas tragédias, como o padrão de construções inadequado para região de terremotos, desmatamentos sem controle que abrem o caminho das enchentes e dos deslizamentos de terra, ocupação irracional, e sempre miserável, de espaços potencialmente perigosos. Em seguida vêm os discursos furibundos da incompetência e os planos salvadores que resolverão o problema "de uma vez por todas". O filme a gente já viu várias vezes. Mas o que provoca mesmo uma sensação dura na alma está além disso, porque nela não somos meros espectadores. O problema é nosso companheiro: a sensação de absurdo, essa necessidade de dar sentido ao que não tem sentido, e que parece mover interminavelmente a atividade humana.

Cristovão Tezza é escritor.

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