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Para mim, só há um momento de escolhas mais angustiantes do que comprar sapatos: comprar roupas. O sapato pelo menos tem um foco pouco visível, lá embaixo; meus pés são objetos indóceis, desparelhados, com protuberâncias ósseas inesperadas, o que exige uma complicada pesquisa de adequação – mas, enfim, eles são discretos sustentando o peso da minha alma. A roupa é um caso bem pior – na vida somos apenas cabides e manequins de gesso semoventes, que devemos ornar todos os dias com tecidos coloridos para sair à rua. Vestir-se, assim como lavar louças, pertence à família dos gestos mais repetidos da humanidade.

À maneira soviética, faço planos quinquenais para comprar roupas. Mas é inútil adiar: um dia o momento chega. As camisas já estão com botões caolhos, as calças perderam a cor, a camiseta de verão mal serve para a manhã de pintar paredes, o casaco de inverno está decididamente velho – "Você vai sair com isso aí de novo?!" –, o pulôver que você tanto amava hoje é uma planície de carocinhos de lã.

E o espaço que a roupa ocupa no corpo se cruza com o tempo implacável. Li em algum lugar que, depois de uma certa idade, engordamos um quilo por ano; eu acho que, no meu caso, este número já está defasado. Os efeitos do tempo no sistema de proporções humanas são visíveis, e exigem roupas que, por assim dizer, não existem na natureza – ou apertam o pescoço, ou esmagam a barriga, ou estendem-se um palmo além do braço, ou deixam você com essa aparência estranha, que você contempla inseguro no espelho cruel da loja.

Porque há um outro problema: os rigores da moda. Fazendo uma metáfora, sou um sujeito com sentimento, que se prende a velhas amizades – com o tempo você vai se acostumando com as roupas que têm, de modo que desfazer-se delas é sempre uma pequena violência contra o hábito. E quando o atendente despeja aquela fileira de camisas novinhas em folha no balcão você descobre que nenhuma delas é mais como as outras. Você olha para uma, experimenta a outra, compara uma cor, sente o tecido nos dedos, e vê que o mundo mudou. Quem usaria esse cor-de-rosa? Desta vez, para me preparar, comprei o livro clássico de Gilles Lipovetsky sobre a moda, O império do efêmero, e me deliciei com este trecho: "Os indivíduos adquiriram uma liberdade de vestuário muito grande; a pressão conformista do social é cada vez menos pesada". Corajoso, testo roupas que jamais usaria três anos antes, até chegar a próxima página: "Coações sociais continuam claramente a exercer-se sobre os particulares". Não – eu devolvo a camisa –, não é bem o que eu quero.

Enfim, são as decisões mais difíceis da minha vida. Eu queria uma roupa de ficção científica, ao estilo de H. G. Wells: o homem invisível. Algo que me fizesse desaparecer na multidão, ou que, sem confundir a vista em formas e cores alheias, revelasse apenas a pessoa que eu sou – o que me deixa perdido.

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