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Talvez a melhor maneira de conferir o grau de civilidade das pessoas seja aferir seu comportamento diante das filas. A fila é uma instituição fantástica e dá margem até para uma discussão metafísica sobre os limites entre natureza e cultura: respeitamos as filas porque fomos educados a respeitá-las, ou porque um cromossomo preconiza que quem chega antes tem prioridade? A hipótese natural se sustenta naquilo que parece uma imbatível simplicidade: a lei da fila é límpida e justa – um depois do outro por ordem de chegada. Desconfio que essa percepção seja típica de Curitiba. Em outras partes do mundo o controle da lei não parece tão rigoroso. Lembro da primeira vez em que peguei um ônibus em Florianópolis – uma sensação de que todos avançavam para a porta como quem foge de um incêndio, mas era só sensação; havia uma lógica intuitiva naquilo, e ninguém parecia incomodado. Mais ou menos o que acontece numa estação-tubo, que impede fisicamente a formação de filas.

Para situações semelhantes, como cartórios e repartições públicas em geral, inventou-se a senha. A senha é uma fila única abstrata – ou fila digital, diferente da fila analógica; independentemente do espaço físico que se controla, o lugar está garantido por um número, que é acionado; a correspondência entre número e pessoa estabelece a justiça do método. Nesse caso, nada impede que o cidadão se afaste do local, desde que volte a tempo para comprovar seu direito. Mas em geral, pelo medo paranoico de que haja um milagre e as pessoas sejam atendidas em segundos umas depois das outras, ninguém se arrisca a sair dali, mesmo que o monitor esteja no 13 e a sua ficha seja a 92.

Caso diferente é o da fila única analógica, sem senha, como as de bancos e supermercados – ali o domínio físico do espaço é imprescindível. A fila única é uma das grandes invenções da humanidade. Quem estaciona esperançoso o carrinho de supermercado diante de um guichê com apenas um usuário e sua sacola de pão, bem no momento de uma troca de caixa, de um código de barra que não responde ou de um computador travado, sabe do que estou falando: ao lado, uma fila imensa não para de andar, enquanto você acompanha o interminável problema do freguês à frente. Na fila única – reservada às cestinhas – você avançaria tranquilo ao outro caixa.

Mas as filas únicas também podem ser fonte de angústia. Se o cidadão à sua frente, entretido com o celular, não vê que a fila avançou, abrindo-se aquele perigoso espaço vazio adiante, todo o pessoal atrás fica indócil, tosse, arrasta os pés, fala alto para chamar a atenção do distraído, como se houvesse o risco de um aventureiro desonesto ocupar a vaga imaginária. E se o povo demora a andar lá na ponta, o corpo da fila avança assim mesmo, amontoando-se, só pelo prazer de se sentir mais perto do fim.

Enfim, coisas que fico matutando quando estou na fila.

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