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Hoje o Brasil é especialista em trem-fantasma – o trem-bala, a Ferrovia Norte-Sul e a imensa rede imaginária de metrôs pelo país afora. Temos problemas com trens reais desde o começo, quando o Barão de Mauá, na cerimônia do início da primeira obra, pediu a D. Pedro II que puxasse um carrinho de mão, representando simbolicamente o valor do trabalho – e caiu em desgraça pela ideia absurda. Décadas depois, a Central do Brasil era uma central de desastres – lembro de uma crônica de Monteiro Lobato comentando que em 30 dias aconteceram 35 acidentes. Nos visionários anos JK, a opção rodoviarista tomou conta do país e acabou em pouco tempo por destruir o que ainda restava do trem brasileiro. Governar passou a ser "construir estradas", de acordo com a antiga frase do presidente Washington Luís, mas também isso ficou obsoleto. A opção preferencial pelos carros tornou-se literal, e já há alguns anos se concentra apenas nos carros, milhões deles, e não perde mais tempo nas vias por onde eles passam. Estradas, trens, bondes e ônibus foram ficando para trás.

Bem, como tenho surtos saudosistas, sinto saudade do trem da minha infância. Começou com um trenzinho elétrico de uma vitrine em Lages, que funcionava apitando. Mais tarde, o trem virou poesia – "café com pão, café com pão", dos versos clássicos de Manuel Bandeira – e coadjuvante musical, no "Trem das onze". Já adolescente, ia para Antonina em fins de semana nos vagões vermelhos do trem que descia a serra, sentado no toco duro da passagem de 2.ª classe. O curto e rangente trecho Morretes-Antonina, que não existe mais, parecia uma paisagem rural-tropical de antigamente – mato, bananeiras e jeca-tatus picando fumo. Percebia-se o símbolo da modernidade como uma carroça do século 19. As estações da serra eram uma viagem no tempo.

Mas o fascínio dos trens é universal; está no DNA da história moderna. É só lembrar do cinema – a primeira imagem do primeiro filme, dos irmãos Lumière, é justamente a chegada assustadora de um trem. Começo a pensar em filmes e trens e parece que foram feitos um para o outro. No cinema mudo, A general, de Buster Keaton, é sensacional. Depois, presenciei centenas de galopes de assaltantes mascarados perseguindo locomotivas nas extensões imensas do Velho Oeste. Em A dama oculta, de Hitchcok, uma mulher desaparece misteriosamente num trem. Os trens serão personagens sinistros na Segunda Guerra, transportando judeus para a morte, mas também vagões libertadores triunfantes. No Brasil, O assalto ao trem pagador, de Roberto Farias, marcou o ano de 1962, mais do que o próprio assalto que gerou o filme. O Assassinato no Expresso do Oriente, clássico de Agatha Christie, rendeu meia dúzia de versões. A lista não tem fim.

Para os brasileiros, talvez rendesse uma boa adaptação, como metáfora, O homem que via o trem passar, a obra-prima de Georges Simenon.

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