• Carregando...
 | Gilberto Yamamoto
| Foto: Gilberto Yamamoto

Não resisti: fui levar meu filho para assistir As aventuras de Tintim. Na verdade, quem estava mesmo interessado era eu; para o desconfiado Felipe, o filme era "um falso desenho", "feito com gente", mas mesmo assim aceitou o convite, quando negociamos cachorro-quente, refrigerante e pipoca. Para mim, seria uma clássica volta à infância, uma pequena recaída sentimental. Os livros de Hergé com as histórias de Tintim foram minha iniciação "adulta" aos quadrinhos. A iniciação infantil era inescapável: como todo mundo da minha geração, comecei a mergulhar nos gibis lendo as histórias freudianas de Walt Disney, um mundo sem pai nem mãe, povoado de tios e tias, figuras neuróticas, egoístas e mesquinhas e sobrinhos abandonados – a turma que girava em torno do Pato Donald, do Pateta e do Tio Patinhas. (O ambiente tranquilo, pacífico e politicamente correto da turma da Mônica ainda não havia entrado em cena.) Mas, quando comecei a frequentar a Biblioteca Pública do Paraná, no início dos anos 1960, mergulhei naqueles livros coloridos com as histórias de Tintim. Com seu traço limpo, histórias mirabolantes e personagens exóticos, Tintim abriu o caminho para que em seguida eu descobrisse os livros de Júlio Verne, que, na sequência, seriam a "maturidade" da adolescência.

Só havia um problema em Tintim, que hoje soa ridículo: ele era um personagem "de direita", representante dos imperialistas e dos capitalistas; para aquele repórter e seu cãozinho Milu, o mundo fora da Europa civilizada era uma combinação soturna de ditaduras com vilões malignos e selvagens. Isso entrava em choque com o ideário de esquerda – ou genericamente "comunista" – que eu absorvia por osmose naqueles anos chapados que deram no golpe militar de 1964. Entretanto, superado o problema da suposta contradição política – que na cabeça infantil não chegava a tirar o sono –, eu acompanhava fascinado as viagens de Tintim.

Fiel aos quadrinhos, fui ver o filme em 2D; continuo achando que a técnica em 3D é uma esparrela sensorial destinada a destruir de vez o pouco que resta de experiência intelectual do cinema de massa. A história é ágil e divertida, e recuperei um pouco do prazer que me dava o humor ingênuo de personagens como os detetives Dupond & Dupont ou do inesquecível Capitão Haddock. Mas meu filho tinha razão: o filme é, em boa parte, um falso desenho, e o excesso de realismo na composição do cenário e de algumas figuras (como o vilão Sakharin, que é praticamente um "não desenho"), acaba por criar um híbrido esquisito, uma artificialidade fake, por paradoxal que isso seja. Parece que o velho sonho do cinema americano de fundir o mundo adulto e o mundo infantil no mesmo ideário mental e afetivo encontrou a sua técnica visual correspondente. Mas eu continuo achando que o charme do desenho é, justamente, parecer um desenho, e não a realidade.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]