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Lá pelos anos 1960, quando o maior programa em Curitiba era assistir a um filme na Cinelândia e depois comer pizza com vitamina na lanchonete Acrópole, certa feita a cidade se alvoroçou com a exposição na Biblioteca Pública de uma pintura de Van Gogh.

Acostumados a fazer fila até para pular poça d’água, os curitibanos ficaram tão encantados com a visita de tão ilustre obra (até então só vista nos calendários das Lojas Hermes Macedo) que não se falava de outra coisa na cidade: "Bakun é o nosso Van Gogh com duas orelhas". No meio daquela extensa fila do holandês, uma frequentadora assídua da coluna social do Dino Almeida perguntou para o jornalista Fernando Pessoa Ferreira: "Van Gogh é nome ou apelido?". "É apelido, minha senhora. O nome é Kirk Douglas!".

Quem te viu, quem te vê! Em maio de 1972, quando os projetos do arquiteto Abrão Assad recuperaram o antigo nome de Rua das Flores e entregaram a Rua XV de Novembro exclusivamente aos pedestres, Curitiba se olhou no espelho e descobriu que não era de se jogar fora.

A bela adormecida abriu os olhos e, com o beijo do arquiteto, despertou sua autoestima. Se os jovens urbanistas não contavam com a surpreendente receptividade, não contavam também com a reação desconfiada dos pedestres. O que aconteceu a seguir não deveria ter surpreendido ninguém, pois outra coisa não se podia esperar do curitibano ensimesmado. Muitos anos depois, contou o falecido arquiteto Rafael Dely, na época presidente do Ippuc: "Quando se fechou a rua para os automóveis, o povo continuava andando nas calçadas. Daí veio a ideia de se implantar equipamentos no meio da rua – bancas, cafés, quiosques – para que os pedestres se sentissem donos do espaço". Os primeiros donos do Calçadão foram as crianças pintando sobre rolos de papel branco, nos sábados de manhã.

Entre outras criações para o mobiliário da Rua das Flores, na quadra entre a Marechal Deodoro e a Muricy, Abrão Assad implantou um modernos quiosque em acrílico roxo para informações turísticas, programação cultural e vendas de ingressos, com mesinhas servidas de chá, café, chocolate quente e os jornais da semana com livre acesso. Para ilustrar o ponto de encontro, hoje podemos dizer que os murais daquela "sala de estar" na Rua das Flores eram uma espécie de caixa de mensagens da cidade, por onde os jovens deixavam seus recados, críticas, fofocas, poemas e orações, fotografias de amigos ou desaparecidos, falecimentos, telefones para contato, procura e oferta de trabalhos, convites para festas e formaturas, até pedidos de casamento.

Foi na "sala de estar" de acrílico roxo da ruadasflores@curitiba.com.br que a curitiba.com.br inventou o Facebook e não sabia.

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