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O recente debate sobre a redução da maioridade penal não está circunscrito à área da segurança. O pano de fundo da polêmica é uma "guerra" filosófica que opõe duas visões opostas acerca da natureza humana e que se resume a uma única pergunta: o homem é essencialmente bom ou mau? A crença numa ou noutra concepção tem embasado o ordenamento do Estado, das leis e das políticas públicas.

O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) teorizou que os seres humanos são naturalmente maus, egoístas e inclinados ao erro – ideia que resumiu na máxima: "O homem é o lobo do homem". Deixados livres, viveriam numa guerra permanente. Apesar disso, os homens também são racionais, lembra Hobbes. Por isso decidem abrir mão de parte de sua liberdade em nome de um Estado forte que garanta a segurança de todos por meio, se necessário, do uso da violência contra aqueles que desrespeitam as leis.

O aparelho policial e o Direito Penal são fundamentados no princípio de que os infratores têm de ser punidos para o bem da sociedade. Quem defende a redução da maioridade penal no fundo compactua com a visão negativista da natureza humana, pois entende que o medo da punição é civilizador.

O paradigma de Hobbes, porém, não abarca apenas a área criminal, mas sim toda política que dá ao Estado o direito de tutelar o cidadão. Quando os governos restringem o fumo e a bebida ou tentam controlar o sal e a gordura nos alimentos, por exemplo, partem do pressuposto que, deixadas livres, as pessoas vão agir do modo errado.

Por outro lado, aqueles que criticam a intromissão do Estado em matéria de costumes comungam de uma visão positiva do homem. Tal qual grande parte dos que, atualmente, criticam as tentativas de reduzir a maioridade penal. Eles apostam fortemente na reeducação dos que cometem crimes, em detrimento da punição. Acreditam que o ser humano é bom. E que, assim sendo, saberá agir corretamente. Se não o fizer, tem de ser ressocializado para recuperar sua natureza "esquecida". Essa é a ideia do "bom selvagem", conceito criado pelo filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Para Rousseau, o homem nasce bom. Quem o corrompe é justamente a sociedade. Uma decorrência dessa visão é entender que a maldade sempre tem uma causa social. No limite, esse entendimento dilui responsabilidades individuais para culpar a coletividade por tudo de ruim que ocorre.

O problema das duas visões é que elas são extremas. A realidade se revela mais cheia de nuances. O homem age de forma ambígua. Ora é bom, por vezes é mau. E há ainda pessoas que parecem ser irremediavelmente cruéis. Essa constatação empírica deveria nortear a discussão sobre políticas públicas, sobretudo na área da segurança.

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