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O ser humano é essencialmente bom ou mau? Ou, numa terceira hipótese, não seria uma complexa mistura de nobreza e sordidez? A resposta a essas questões encerra muito mais do que a especulação sobre a natureza do homem. Da crença numa ou noutra afirmação depende a sociedade e o Estado que se quer construir – uma reflexão importante neste momento em que o país relembra os 50 anos da instalação da ditadura militar no Brasil. De um modo geral, a crença na essência humana negativa justifica, politicamente, um Estado forte, tutelador, até mesmo propenso ao autoritarismo. O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) dizia que "o homem é o lobo do homem". Deixado livre, sua natureza o levaria à "guerra" contra os vizinhos. Segundo Hobbes, para evitar a desagregação social faz-se necessário que todos cedam parte de sua liberdade em nome de um Estado forte que garanta a ordem e a segurança. Foi essa a justificativa dos militares para tomar o poder em 1964.

Um século depois de Hobbes, o pensador francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) trilhou um caminho totalmente diverso a partir da premissa de que o ser humano nasce bom. Para ele, o homem deveria ceder sua liberdade natural ao Estado para conquistar a liberdade civil. Ao contrário do britânico, cuja ênfase era na segurança e na ordem, Rousseau destacava a liberdade – que só poderia ser restringida a partir do que chamou de "vontade geral" de todos os cidadãos. Sendo bom, portanto, o ser humano tinha direito a ser livre – e o consequente dever de assumir a responsabilidade pelos próprios atos. Com isso, estava fundamentada a democracia moderna.

Além da justificação filosófica dos regimes de governo, as duas concepções da natureza humana têm outras implicações cotidianas. Elas balizam a construção de leis e ações governamentais. E, mesmo nas democracias, a ideia do "homem mau" permeia uma série de políticas públicas. Quando os legisladores buscam proibir comportamentos de todos em função da má conduta de alguns, o pressuposto de fundo é a propensão humana ao erro, à atitude negativa. Se deixado livre, o cidadão não terá responsabilidade suficiente para agir corretamente. É o caso da Lei Seca, baseada na ideia de que ninguém sabe quando parar de beber. Por outro lado, há políticas que apostam no contrário. O sistema penitenciário brasileiro, por exemplo, foi edificado com base na ideia da ressocialização dos detentos – numa clara aposta de que o criminoso pode se recuperar porque, em seu íntimo, é bom.

A oscilação entre os dois polos, inclusive nas democracias, indica uma intuição de que, afinal, o ser humano guarda em si a maldade e a bondade ao mesmo tempo. O segredo de uma sociedade equilibrada, quem sabe, está em compatibilizar essa natureza dual nas leis e políticas públicas.

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