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Há quem diga que a maior invenção do homem não foi a roda, tampouco o manuseio do fogo, mas sim as cidades. Elas trazem consigo uma lógica racional e benéfica: ao aproximar pessoas, facilitam as trocas de produtos e serviços e, assim, permitem uma vida melhor a todos. Porém, num mundo cada vez mais povoado e que acaba de chegar aos 7 bilhões de habitantes, a razão por trás da urbe vem cedendo espaço à irracionalidade humana diante das multidões.

Espaço, por sinal, é a palavra-chave para entender a crise urbana. Todo ser humano necessita de um "círculo vital", uma linha que o separa dos demais. É esse círculo que define um território imaginário e assegura individualidade e sensação de segurança e conforto. A invasão desse espaço desperta o instinto animal que habita o fundo de cada pessoa.

Nas grandes cidades, a "besta-humana" é cutucada quase todos os dias em função das aglomerações cada vez maiores e mais frequentes. Isso ocorre no engarrafamento do trânsito. No ônibus lotado. Nas filas in­­termináveis dos serviços públicos (a fila é a multidão organizada). Quando o vizinho faz barulho (a invasão sonora do círculo vital). Nas brigas de condomínio (a moradia aglomerada). Ao respirar a poluição ou se deparar com lixo espalhado pelas ruas (o espaço coletivo invadido pela sujeira alheia). Até no lazer, ao encontrar o parque lotado ou o cinema cheio.

Há muitos que, diante dessas situações, soltam a fera interior. É quando ocorrem as erupções de conflito urbano. Mesmo aqueles que contêm seu instinto animal podem ser feridos por dentro, algo que se manifesta no estresse, depressão e outros males. A crise das cidades acentua, portanto, a crise da alma.

É inegável que a falta de espaço gera atrito social. É preciso, portanto, garantir ônibus menos cheios e mais confortáveis – o que tende a tirar carros das ruas. Desconcentrar os serviços públicos e ampliá-los, de modo a reduzir as filas e os deslocamentos. Não submeter a organização da cidade à lógica imobiliária privada, que tende a maximizar ganhos ao concentrar o maior número de pessoas no menor espaço possível. É preciso ainda ofertar mais espaços de lazer. E coibir as invasões do espaço coletivo por meio da poluição sonora, do ar ou da água.

Compreender a necessidade humana por seu círculo mínimo de conforto e segurança é crucial para enfrentar os dilemas urbanos de forma mais ampla. Nesse sentido, o papel dos planejadores das cidades é justamente evitar os males das aglomerações. Está aí uma boa discussão para ser feita pelos candidatos a prefeito no ano que vem.

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